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O cargo que eu tinha, dado pelas mãos do Mestre, era de comandante-geral da ala feminina e gerente-geral do hinário. Eu regia todo hinário. Quando a ala masculina não estava muito certa eu chamava o zelador. Tudo era comigo. Até hoje esse cargo de comandante-geral está em minhas mãos. Ele não tirou não.

 

Tudo que chegava lá na colônia passava por minhas mãos. O Mestre me tinha muita estima, todos os hinos que ele recebia passavam por mim. Ele dizia: "Se não está certo pode meter o terçado". Mas eu nunca fiz isso. Ele mesmo tomava Daime e ia corrigir.

 

Comecei a freqüentar quando meu pai conheceu o Mestre em 1934. Eu tinha oito para nove anos. Com o Mestre estavam apenas uma meia dúzia de pessoas: José das Neves, Zé Afrânio, João Pereira, o chamado Zé Capanga, Maria Damião e Germano Guilherme. Depois é que chegou o Antônio Gomes. Papai morreu três anos depois, em 1937. Eu era a mais velha de todos os meus irmãos. Duas semanas depois do falecimento de meu pai o Mestre disse que ele tinha lhe aparecido cinco vezes numa miração. Meu pai dizia:

 

- Mestre, eu ando, ando neste mundo de meu Deus, vejo tantas maravilhas, tanta coisa bonita que eu não esperava que existisse, mas quando me lembro do senhor, eu tento visitar o senhor.

 

Assim ele veio cinco vezes. Até que o Mestre perguntou:

 

- Ribeiro, o que você deseja de mim? Pode dizer.

 

- Mestre, eu quero que o senhor tenha mais paciência com a minha família, do que o senhor teve comigo.

 

O Mestre disse:

 

- Tá feito! Não se preocupe, siga sua viagem.

 

E recomendou o espírito dele.

 

A gente morava, nessa época, na Vila Ivonete - bem pertinho do Mestre. Ainda não havia um centro. Os trabalhos eram realizados na casa do Mestre com aquele grupinho. Então, ele ficou dando assistência para a gente. A minha mãe, coitada, não tinha direção, era analfabeta e não sabia mexer com dinheiro. Eu mesma é que tinha um pouco mais de conhecimento e fazia as compras de casa. Nessa época, com onze anos, já costurava. Comecei costurando apenas para mulheres, depois para todo mundo.

 

Quando, em 1934, nós nos encontramos, o Mestre só tinha três hinos: Lua Branca, Tuperci e Ripi. Daí começou... Nesse tempo ainda não tinha farda. Depois estabeleceu-se um tipo de farda, de modelo diferente da que usamos hoje. Na farda azul das mulheres, já havia as três iniciais C.R.F - Centro da Rainha da Floresta. Isso foi criado pelo Mestre.

 

Em 1957, o Mestre fez uma viagem até o Maranhão, onde passou dois dias e duas noites no mar, mirando muito. Foi nessa viagem que ele recebeu o novo tipo de farda, usada até hoje. Os homens usavam as fitinhas coloridas que as mulheres ainda usam e uma rosa grande. O distintivo era aquela rosa. Depois foi que ele mudou para a estrela de seis pontas.

 

O Mestre permaneceu na Vila Ivonete até 1945, quando fundou o Alto Santo e abriu a colônia. O grupo inicial do Mestre estava com ele tanto nos roçados como nos trabalhos espirituais, em tudo.

 

O Mestre foi um exemplo dentro do Acre, de Rio Branco, o primeiro líder que existiu aqui. Nessa comunidade que ele fundou, o Alto Santo, ele era juiz, era delegado, conselheiro, era tudo e todos obedeciam a ele. Podia estar como estivesse, ele chamava "vem cá fulano" e prontamente ficavam todos mansinhos que era uma beleza. As autoridades não se preocupavam com aquele povo, até casos de fora ele resolvia. Ele era uma entidade divina mesmo. Porque só Deus, para ter a força que ele tinha e tem. Hoje ele tem muito mais força que naquele tempo.

 

E mesmo com toda aquela autoridade, ele era a pessoa mais calma do mundo. Não levantava a voz com ninguém. Do jeito que ele tratava o mais sábio ele tratava uma criança.

 

O Mestre viveu com uma mulher, D. Raimunda, durante vinte anos. Depois casou-se com ela, pois, como líder de uma comunidade, ele tinha que dar o exemplo. A mãe dela era pessoa difícil de se lidar. Em março de 1955 ela foi embora para São Paulo com a mãe, onde veio a falecer, ao que parece, atropelada.

 

Antes de D. Raimunda o Mestre viveu com uma outra mulher, isso no tempo que ele trabalhava na seringa. Tiveram um filho, o Valcírio, que vive aqui em Rio Branco. Toma Daime também.

 

Dona Peregrina chegou muito depois. Ela é neta do Antônio Gomes. Nesse tempo ela ainda era criança. Ela se casou com o Mestre em setembro de 1955. Foi antes da viagem do Mestre ao Maranhão.

 

O Mestre aconselhou não se tomar Daime feito por todo mundo. Só dos que ele ensinou e sabia que faziam direitinho. Loredo, Cipriano e o Granjeiro, depois seu Sebastião Mota, aprenderam a fazer o Daime com o Mestre.

 

No tempo do Mestre, cada domingo tinha hinário na casa de um dos membros da comunidade. Começava na casa mais próxima da sede e ia circulando até terminar na sede de novo. Todo domingo, das duas às quatro. Era chamado o "hinário rondante". Se não desse para terminar o hinário num domingo, ficava para a semana seguinte.

 

Sobre as divisões que houve entre seus discípulos, lembro-me dele dizer:

 

- Eu confio em Deus que a minha Doutrina há de ser reconhecida no mundo inteiro.

 

Você acha que o mundo inteiro ia caber dentro da sede de Dona Peregrina? Eu não digo o mundo inteiro. Se for só os acreanos, não cabe.

Com a Igreja Católica aconteceu o mesmo. Todo mundo adora a Deus e respeita Jesus Cristo, mas cada um segue o seu caminho. Teve que dividir para poder expandir. Eu não acho que seja errado não. Deus é bom...

 

No penúltimo hino do Cruzeiro o Mestre diz: "Os pedidos foram tantos / Me mandaram eu voltar". Isso foi pouco antes de sua passagem. Nessa época houve um pedido da irmandade para que o Mestre ficasse. Nós perguntamos e ele chegou a contar:

 

- Eu não sinto dor. Eu não sinto fome. Eu não sinto nada. O que eu sinto é não ter para quem entregar o meu trabalho. E saudades de vocês. Eu sinto uma saudade tão grande de vocês que é isto que está me abatendo.

 

Ele, com certeza estava sabendo de sua passagem e sabia que a maior parte não estava preparada. E não era por falta de ensino. Todos sabiam que, quando precisassem de algo, era só correr e perguntar ao Mestre. Todos achavam que nunca haveriam de ficar sem ele.

 

Ele foi se abatendo, se abatendo... já não mais comia carne. Disse que o organismo dele não mais aceitava essas coisas. E a gente vendo ele se abater. Perto do dia 30 de junho de 1971 perguntei para ele:

 

- O senhor não gostaria de uma Concentração para melhorar sua saúde?

 

- É bom! Então vamos fazer. Chame o pessoal mais próximo.

 

Mas, dias antes dessa Concentração, ele já tinha chamado o Leôncio Gomes e entregado a direção dos trabalhos:

 

- Leôncio, você vai tomar a direção dos trabalhos. Você não vai ser chefe. A chefia é comigo mesmo. Mas fique aí para receber as pessoas, para ensinar a Doutrina e tudo bem. Escute o que estou dizendo, não faça mais do que eu estou lhe entregando. Porque, se alterar alguma coisa, você não vai resistir.

 

No dia 30 nos reunimos para a Concentração. Quando terminou, ele perguntou para o povo:

 

- Quem foi que viu o meu enterro?

 

As pessoas disseram que não tinham visto nada. E ele falou que tinha recebido um remédio e que ia ficar bom.

 

- E que remédio é esse, Mestre?

 

- É um remédio que tem em todo canto, continuou. Eu cheguei num salão onde tinha uma mesa ornada, toda composta, com as cadeiras em seu lugar. Só tinha uma cadeira vazia: a da cabeceira.

 

Foi aí que a Virgem Soberana Mãe chegou ao lado dele e disse:

 

- De hoje em diante, você é o chefe geral desta missão.

 

Depois de 50 anos de trabalho é que ele foi receber o comando.

 

- Você é o chefe. No céu, na terra e no mar. Para todos os efeitos. Todo aquele que se lembrar de você e chamar por você, de coração, e confiar, receberá a luz.

 

Isso foi no dia 30 de junho de 1971. No dia 06 de julho, ele foi embora.

 

E a história do remédio é a terra, que se pisa em cima. Ele não foi para debaixo da terra? E ninguém entendeu. Ele não disse que tem em todo canto? É a própria terra...

 

Outro pai ninguém encontra. Por volta de 1970, antes de adoecer, o Mestre teve uma miração em que ele chegou num lugar onde havia muita gente, e a Protetora sempre a seu lado:

 

- Você está vendo esse movimento todo?

 

- Tô vendo.

 

- Pois é, tudo isso aí é Mestre. Eles dizem que são Mestres. Você quer ver? Pergunta pra eles.

 

E ele perguntou pra um, pra outro. Cada um respondia: "Eu aprendi com o finado sicrano". "Eu aprendi com outro finado". E a conversa era assim. E agora ela disse:

 

- Fala para eles com quem foi que tu aprendeu.

 

Ele levantou e disse:

 

- Pois eu aprendi com a Virgem Soberana Mãe.

 

Aí desapareceram todos os Mestres.

 

- Você está vendo? Nenhum deles aprendeu coisa nenhuma.

 

Ele aprendeu porque foi ordenado. É como se diz: foi escolhido. A Virgem Soberana Mãe lhe acompanhou o tempo todo. E ainda hoje acompanha. E ele está ao lado dela.

 

Todo dia quando eu saía daqui, ia lá. E, se não fosse, ele reclamava. Nesse dia eu fui. Ele estava alegre, alegre. Parecia não estar sentindo coisa nenhuma. Conversava e contava história. Fiquei um tempo por lá e disse que ia voltar para casa para fazer o almoço. Ele disse:

 

- Você não vai não. Você tá com fome?, e chamou a menina para botar o almoço na mesa. Você não vai agora não. Quero conversar com você.

 

Ele estava na maior alegria, contando tudo! Eu pensei: "Graças a Deus! Ele está bom!", e disse para ele:

 

- Amanhã eu vou à rua, pois vou receber.

 

- Vá. Pode ir.

 

Quando deu três horas da tarde, ele disse:

 

- Se você quer ir pra casa agora, pode ir.

 

Aí eu tomei a bênção e ele fez uma recomendação como nunca tinha feito antes. Não entendi nada. Eu o vi tão alegre que não suspeitei de coisa alguma. Ele me recomendou que eu fosse muito feliz. Saí tranqüila e satisfeita.

 

Ele era como meu pai, pois foi quem me criou. De tarde, eu saí com Pedro. Fomos ao departamento de Finanças e lá, um amigo nosso, o João Lopes, perguntou sobre o Mestre. Ele era assessor do governador Wanderley Dantas e se dava muito com a gente. Tomava Daime também. Respondi que o Mestre estava bem. Ele disse que o governador estava querendo visitar o Mestre, mas estava sem tempo. Saímos e quando chegamos em frente ao palácio, encontramos a esposa do seu Doca. Ela vinha amarela, com os cabelos assanhados. Foi logo dizendo:

 

- O Mestre, meu Deus ! O Mestre morreu!

 

- Menina, que conversa é essa?

 

Mas Deus me deu um conforto naquela hora e eu não acreditei. Pensei que ele pudesse ter tido uma agonia, um mal estar...

 

- Mas não! Eu saí de lá e ele estava bem. Ele não pode ter morrido!

 

- Mas é verdade. O filho do seu Wilson acabou de chegar de lá.

 

Mas eu não queria acreditar. Desistimos de fazer as compras e passamos em frente ao mercado. Lá estava o maior burburinho, gente se movimentando, arrumando um carro para ir até a colônia. Pegamos um carro também. Parecia uma procissão. A notícia tinha se espalhado. Mas eu não acreditava, "Será que é verdade?" Passei em casa rapidamente e fomos para lá. Só acreditei quando cheguei. Ele ainda estava na cama. O suor derramando como se estivesse trabalhando muito.

 

Ninguém pense que aprendeu. Quem quiser aprender, se dedique ao Daime. Se prepare e tome. Não vou dizer que todos possam alcançar porque "nem todos estão na graça", como diz aquele hino do Seu Sebastião Mota.

 

O Mestre aprendeu e doutrinou o mundo inteiro. Por isso eu digo: todos têm vontade de alcançar, mas nem todos estão na graça... É preciso se conformar com o tanto que Deus lhe deu. Aqueles que tiverem o espírito evoluído de outras encarnações estão mais próximos. Se dedique ao Daime, que lá ele está. Chame o Mestre com amor.

 

Espiritualmente, o Mestre é uma santidade que comanda o mundo inteiro. Ele tem todo poder.

 

E hoje, 21 anos depois, é a mesma coisa. É como se ele estivesse aqui no nosso meio. Não que eu esteja vendo, mas, pela intuição, a gente sente.

 

"O Prensor" é sobre a Guerra do Paraguai. O Mestre mirou e viu a passagem da guerra dos dois países. Ele se achou no meio da batalha.

 

"A virgem mãe é soberana" é sobre a passagem do meu irmão João Ribeiro.

 

"Só eu cantei na barra" é sobre a passagem de Antônio Gomes. Ele estava muito doente. O hino fala: "A morte é muito simples / Assim eu vou te dizer / Eu comparo a morte / É igualmente ao nascer". Quando eu ouvi o hino percebi que não tinha mais jeito. A receita, como disse o Mestre, é a terra.

 

"Choro muito" é sobre a passagem de Maria Damião. Ninguém sabia que ela estava doente. Com três dias que saiu esse hino chegou a notícia que ela estava agonizando. Ela adoeceu repentinamente e morreu. Tinha 32 anos. É sobre a sua passagem que o hino fala.

Entre "Sou filho do poder" e "Dou viva a Deus nas alturas" houve um intervalo, uma pausa de alguns anos.

O Mestre recebeu os hinos derradeiros (hinos novos ou cruzeirinho), direto; um atrás do outro.

 

"Pisei na terra fria" ele recebeu no final de 70, no mês de dezembro, depois do aniversário dele. No dia 17 ou 18.

Ele sempre me chamou de Dona Percília, desde pequena. Um dia papai perguntou para ele: "Mas por que o senhor chama uma criança dessas de dona?" Ele respondeu: "Eu chamo para me acostumar, porque quando ela casar, eu não sei se o marido dela vai gostar se eu chamar ela de Percília."

 

Meu maior prazer é ver esse trabalho ficar firme, direitinho, como o Mestre quer, não como ele queria, como ele quer, pois eu não considero que o Mestre está ausente. Tudo que nós fizermos dentro desse trabalho tem que ser com ele, tem de pedir licença a ele, porque ele é o dono, ele é o comandante e o chefe geral da missão. Portanto tem que render obediência a ele. Eu não permito é cada um fazendo do seu modo. Foi uma das coisas que ele pediu. No dia 30 de junho de 1971, poucos dias antes do seu passamento, houve uma concentração em benefício dele. Quando terminou, ele disse assim:

 

 

- Hoje foi que eu recebi a minha cadeira de presidente; cheguei lá no astral, tinha um salão, a mesa posta, e a cadeira da cabeceira estava vazia, a minha mãe chegou e mandou que eu tomasse conta da cadeira.

 

- De hoje em diante, você é o chefe geral desta missão, disse ela. Queira ou não queira, no céu, na terra e no mar, o chefe é você.

Ora, isso depois de quantos e quantos anos de trabalho? E ele disse:

 

- Eu estou entregando esse trabalho ao Leôncio; ele não é o chefe, fica como representante desse trabalho. Agora uma coisa eu digo, ninguém queira ser chefe, se unam e vão trabalhar.

 

Foi nesse dia que ele aprendeu que quando se formar a mesa para abrir um trabalho, é para deixar a cadeira dele vazia, pois chamando, ele viria ensinar.

 

- Mas ninguém queira ser chefe, e não inventem moda dentro desse trabalho, ele falou.

 

Por isso eu me sinto mal quando eu chego num serviço que não está certo. Eu não me sinto bem de jeito nenhum. Se eu pudesse fazer uma circular a todos esses centros de Daime eu diria: nós não podemos mudar o ritual, nós temos de seguir os ensinos conforme eles mandam. Outro dia eu fui em um trabalho em um centro aqui perto de Rio Branco e não gostei. Já fui mesmo a paisana, porque eu não sabia como estava a organização lá, parece que eu estava adivinhando. As filas desarrumadas, sem um destacamento que fosse responsável pela organização das filas, homens com a camisa para fora da calça, com a mão no bolso, outros com o braço solto, jogando o braço para lá e para cá, e o que é pior: a extinção do maracá. O maracá é que ajuda a marcar o passo do baile. Todo mundo com caderno na mão, nunca vi isso, alguns tocando maracá para cima, sem bater na mão. E o caderno - se estivessem ao menos lendo e cantando, mas tinha muitos que só olhavam e ficavam de boca fechada. Tá fora do ritmo, não é mesmo? E o ritmo do canto, da música? Cada hora era de um jeito, ora acelerando, ora devagar demais, e o ritmo deve ser incessante, firme. Eu perguntei o por quê do pessoal não usar o maracá, me disseram: "Ah! Porque eles não têm." "Mas o maracá é uma coisa muito fácil de fazer, todo mundo pode ter." "Ah! Mas eles não aprendem." Por que não aprendem? Ora, a criança vai a aula, no começo ela não sabe, depois vai aprendendo, uma semana, duas, faz o primeiro grau, faz o segundo, vai se evoluindo, segue carreira. Então, por que não aprende? Por que não tem um instrutor, uma pessoa que instrua, que ensine como é. Agora deixar cada um chegar e fazer como quiser, não pode. Então, se ele deixou para todo mundo usar o maracá, é para usar maracá, não é? Não é caderno, ele não deixou ninguém usando caderno. Até a saída dele, não existia esse negócio de caderno na mão no hinário, de jeito nenhum, todo mundo aprendia corretamente e na hora já sabia, estudava em casa, mas na hora do trabalho, ninguém levava caderno. Como eu não faço parte da diretoria de lá, não falei nada, mas essa responsabilidade pesa nos meus ombros, pois o Mestre me disse: "Onde você for que não estiver certo, você tem que corrigir." No hinário, cada fila tem de ter o "pelotão", a pessoa responsável pela fila. Quando às vezes uma pessoa passa mal, por um momento, por causa das suas culpas, sei lá, tem que ter o fiscal para amparar, homem para homens, mulher para mulheres. O fardado só tem direito de sair por três hinos, no máximo. O ensaio é muito importante, pois é ali que a pessoa vai aprender, para quando chegar o trabalho oficial, todos estarem sabendo. Nosso trabalho é como um quartel, todos iguais. O principal na atitude do fardado é a obediência, cada um prestar o seu serviço com o máximo de obediência, cada um tem a sua posição, o seu posto de serviço, portanto, tem de assumir com muita dedicação e obediência. Tem muita coisa boa dentro desse hinário do Cruzeiro, é preciso é compreender, muitas pessoas cantam, mas a compreensão fica tão adversa... E não tem esse negócio de mistura de linha não, de atuação, nunca vi o Mestre se alterando em nada.

 

Os trabalhos de cura são sempre nas quartas-feiras, a não ser caso de urgência, e é só concentração, não se cantam hinos. No trabalho tem que ter três, cinco, sete, ou nove pessoas. De acordo com o nosso ritual, a cadeira da cabeceira da mesa fica vazia; dentro da concentração, chame o Mestre para aquele lugar. Nós não podemos se exaltar em canto nenhum, porque somos espiritualistas, eu não sou mais do que ninguém, o próprio Mestre não dizia: Eu sou o curador. Chegava gente se queixando, ele falava: "Bem, eu vou ver o que posso fazer por você, vou consultar a minha mãe - a Rainha, se ela consentir, você poderá ficar melhor, receber sua saúde." Dentro desse trabalho só não se cura é sentença, porque a sentença já vem de Deus. Tem doenças, tipos de sofrimento, que não tem cura, a pessoa tem de passar. Mas fora disso, tudo tem cura, dentro da obediência que todos devemos ter a Deus, nosso criador. Agora, a maior perda dentro desse trabalho é a pessoa se exaltar. O trabalho de cruzes é para quando a pessoa está perturbada, a gente vê que não é ela, é um outro que chegou ali e está perturbando. Então se faz o trabalho com no mínimo três pessoas, incluindo o doente, começando sempre na quarta-feira. É necessário três trabalhos, continua na quinta e na sexta; se o caso for muito pesado, nove. Ou às seis da manhã, ou às seis da tarde, pois o sol é o nosso guia.

 

O primeiro hinário foi em 23 de junho de 1935, na casa de Damião Marques, marido de Maria Damião. A noite toda cantamos nove hinos, dois do Germano, dois do João Pereira e cinco do Cruzeiro, pois era o que tinha. Cantávamos cada hino três vezes, depois voltava tudo de novo. Às 23 horas houve um intervalo, cantamos a Refeição diante de uma mesa completa. Depois voltamos e amanhecemos o dia, com nove hinos apenas. Lua Branca foi recebida no Peru.

 

O trabalho de cura surgiu em 1931, eram concentrações, às quartas-feiras. O Mestre trabalhava em benefício daquela pessoa, ou daquelas pessoas necessitadas, presente ou ausente, todo mundo concentrado. Naquela época, tinha os chamados de cura. Então, ele, silenciosamente, fazia aqueles chamados. Então, ali mesmo, dentro da concentração, ele recebia como podia ser a cura daquela pessoa.

 

COMENTÁRIOS SOBRE ALGUNS HINOS DO CRUZEIRO:

TUPERCI e RIPI

Uns são caboclo e outros somos nós mesmos. Porque cada um de nós que chega nesta casa... É como diz o hino: "Tuperci não me conhece / Tu não sabes me apreciar / Tu não sabes me compreender / A minha flor cor de Jaci. Tem uma plantinha aí, que justamente ele diz que essa plantinha é referente a este hino.

 

Ripi é outro. Por exemplo, uma entidade que também vem chegando. Ele diz assim: Ripi, Ripi, Ripi / Ripi, Ripi, Iaiá... E são línguas diferentes, são linguagens diferentes. Se você não queria / para que veio me enganar. Por exemplo, chega um irmão, participa e depois não procura aprender e fica até atrapalhando os outros. Em vez de seguir direitinho, prestar atenção aos ensinos, não faz isso. Aí, o Mestre diz: Para que veio me enganar, se não queria?

 

FORMOSA

Essa Mãe D'Água pode estar o maior verão, se o senhor cantar três vezes seguidas num dia este hino, pode fazer chover. Já aconteceu com meu cunhado. Ele morava na colônia e diz ele que estava uma sequidão medonha. E aí ele disse: Eu vou chamar a Tarumim. Aí, cantou o hino três vezes. Resultado: deu um temporal que vinha derrubando tudo. Destelhou até casa. Aí ele falou que nunca mais ia fazer isso.

REFEIÇÃO

Refeição é um hino que não é da linha. É um hino só de agradecimento a Deus pelo que se recebe. Antes da refeição a gente diz, é quem dá o nosso pão. Depois da refeição, a gente diz, foi quem deu o nosso pão. Antes é quem dá e depois é quem deu. O Mestre recomendava que todo mundo cantasse esse hino na hora da refeição.

 

PAPAI PAXÁ

Equiôr, Equiôr, quer dizer: eu estou. Tanto faz dizer 'eu estou', como 'Equiôr'. É uma interpretação de linguagem. Equiôr, Equiôr, Equiôr que me chamaram. Ele quer dizer: eu estou aqui, porque me chamaram. O Papai Paxá é uma entidade. Tem muitos deles. Tem caboclo, tem índio, tem outros de outras linhas, mas tudo linha do bem, só para fazer o bem. Qualquer um desses que chamar pode fazer uma cura.

 

DOIS DE NOVEMBRO

Este hino, uma pessoa chegou para o Mestre. Uma pessoa de dentro do trabalho que havia acabado de separar da matéria. Essa pessoa chegou e cantou para ele. Era uma senhora, a segunda companheira dele, dona Francisca.

 

A RAINHA ME CHAMOU

Uma vez perguntaram para o Mestre: Mestre, qual a maior obrigação de quem toma Daime? Aí o Mestre respondeu: Meu filho, a maior obrigação dentro desta missão é rezar!

 

Isto é uma instrução para todos nós! Quanto mais rezar, melhor. Não perder tempo. Não estou fazendo nada, estou rezando para não pensar em coisa à toa. É isto que diz esse hino. Manda rezar para todos os irmãos, para a humanidade e para o inocentes.

 

MÃE CELESTIAL

Este hino, na missa você canta a última estrofe com uma modificação: Que te dê a salvação e te bote em bom lugar.

 

UNAQUI

Este hino ele recebeu numa quarta-feira santa, de quarta para quinta. Refere-se ao passamento de Jesus Cristo e lá em baixo diz: só me dão ingratidão. Porque ele está dando o mesmo seguimento que Jesus Cristo veio dar aqui, ensinando a todos e não querem obedecer. Eu nunca perguntei a ele o por que do nome Unaqui.

 

MEU DIVINO PAI

A laranja é uma fruta/ Redonda por vossas mãos/ Vós me entrega com certeza/ E eu deixar cair no chão? A laranja é o globo, é o globo. Vós me entrega com certeza, e eu deixar cair no chão? Não devo deixar, não é? É isso aí. Aí tem um ponto de interrogação. É: e eu deixar cair no chão? Não devo". 

BEGÊ

O Begê é ele mesmo, é ele próprio. Pode cantar e pode reparar que é.

 

CANTAR PRAIA

Cantar Praia. Olha, aí tem uma interpretação. Cantar para ir; não é a praia aqui do chão, não! É como tivesse dizendo cantar pra ir. Cantar praia, cantar pra ir! É pra deixar a pessoa embaralhada, pra ver se vai buscar. Cantar pra ir.

 

AMIGO VELHO

O amigo velho é são José. Ele se refere a são José; podem prestar atenção. Lá na frente ele explica.

 

MARESIA

A maresia é porque... Olha, este trabalho tem muita envolvência com o mar. Do mar vem muita força; a força divina vem do mar também. Do céu, da terra e do mar.

 

CENTRO LIVRE

O nosso centro é livre mesmo, liberado para quem quiser entrar, para quem quiser seguir. Teve até um tempo que o nosso centro teve o nome de Centro Livre, até que depois mudaram, mas o nome era Centro Livre mesmo. O Currupipiraquá é outro caboclo, e não é Corrupipiraguá, com 'g', é Currupipiraquá com 'q'. É um caboclo índio, é um caboclo finíssimo ele.

 

O PRENSOR

O prensor que te aparece/ A pátria vai abraçar/ Vai pra guerra vai perder/ A vida que Deus te dá. O Prensor é uma força. Aquela força que domina. Então, vem aquela ordem material. Tem que brigar, queira que não queira. É isso é que diz o Prensor.


Ele recebeu este hino numa concentração lá na Vila Ivonete, mais ou menos pelo começo da década de 40. Quando ele recebeu este hino, estava no forte da concentração. Ele se levantou, colocou um irmão na presidência do trabalho e se retirou, chamou a esposa dele, a dona Raimunda, e pediu que ela me chamasse. Aí ele cantou o hino todinho. Quando terminou a concentração ele cantou para todo mundo ouvir, para todo mundo aprender logo. Olhe, nesta época houve um conflito armado entre Bolívia e Paraguai. Mas estava nesse tempo um clamor, só se sabia das notícias. Do outro dia em diante que saiu este hino, acalmou tudo, zerou tudo. Ele contou que no trabalho dele, ele foi espiritualmente lá, no meio da batalha. Diz ele que a bala que chega chovia assim, para lá e para cá, batia nele e caía. Ele estava lá espiritualmente, quando chegou o hino para controlar. A força dominar a rebeldia, que era demais. Esta batalha foi entre Bolívia e Paraguai e não entre Brasil e Paraguai, que foi lá em mil oitocentos e pouco. O que é certo meu filho, é que esta é uma das representações que nós temos que mostrar, e vários hinos que tem aí, cada um trás uma referência.

SETE ESTRELAS

Então, quem é que ele viu no Sete Estrelas? Jesus, filho de Maria. O rosto superior que ele viu, foi o rosto de Jesus Cristo.

 

EU PEÇO A JESUS CRISTO

O rei Titango, o rei Agarrube e o Rei Tituma, são os Três Reis do Oriente

 

SILENCIOSO

O Mestre era realmente silencioso, falava bem macio. Ele não era homem de falar alto. Ele dava as explicações dele para todo mundo, atendia todo mundo muito bem. Ele ensina como um pai, como um pai pode educar um filho. E ele ainda dizia mais. Ele era alto, tinha 1,97m e, no entanto dizia: Olha, eu sou mais alto do que todo mundo mas entretanto, eu me torno bem pequenininho, igualmente à criança menor que estiver aqui.

 

SÓ EU CANTEI NA BARRA

Este hino também faz menção à passagem de Antônio Gomes. Com três dias que saiu este hino, ele fez a passagem.

AS ESTRELAS

Os caboclos já chegaram. O Mestre fazia os trabalhos de cura e chamava pelos seus caboclos. Tantas curas que ele fazia... chamados tão bonitos! Lindos os chamados, mas ele não ensinava os chamados para todo mundo, porque todo mundo não sabe usar. Ele dizia que não ensinava, porque todo mundo não sabe usar, e depois que se apossassem do chamado, queriam fazer coisas fora do comum, e por isso ele não ensinava.


PROFESSOR, CAMPINEIRO, DIVINO PAI ETERNO

Pois é, estes hinos, já é ele avisando que vai embora. Estes hinos saíram numa época em que ele estava muito perturbado com uma família que teve com a outra mulher dele, a dona Raimunda. A sogra dele bebia cachaça e perturbava demais. Que Deus a tenha, que já está lá na eternidade, mas a velha não se rendia de jeito nenhum. Ela tanto insistiu, até que tirou a filha da mão dele. Ela resolveu que ia embora e levou a filha. Elas foram para São Paulo.

 

No hino Campineiro, na terceira estrofe, cantamos assim: Me acho fraco e cansado / De lutar com rebeldia / Fazer gosto a quem não tem / Esperança de um dia". Não existe a palavra NA. Não é "Na esperança de um dia" e sim, "Esperança de um dia" Muda o sentido do hino.

 

EU VIM DA MINHA ARMADA

Ele não veio mandado? Veio mandado. Armada que fala, é como eu já falei. Nós somos de um batalhão, de um quartel. Quartel divino da sempre virgem Maria de nosso senhor Jesus Cristo. Essa é que é a Armada.

 

CHORO MUITO

Este hino relembra a passagem de Maria Damião.

 

SOU HUMILDE

O Mestre era muito humilde mesmo, não tinha vaidade com ele não, tudo para ele era na paz, na humildade. Era humilde, aquilo ali era lento... Em tudo, por tudo. Tudo dele era com calma, com prudência.

 

PERGUNTEI A TODO MUNDO

Não estavam acompanhando. Ele pelejando com todo mundo. Como ainda hoje acontece. Muita gente se diz ser daimista, mas não segue os caminhos que o Mestre deixou. Em vez de seguir a Doutrina, vão seguir outros ramais.

 

CENTENÁRIO

Chama-se Centenário, porque ele é o número 100. O negócio é que, tem os que tiraram fora (três hinos), que não estão na lista, mas contando com estes, dá certinho cem. O traí é uma corneta, é o som de uma corneta, não é uma entidade não.

 

LINHA DO TUCUM

Um chamado que é da linha do hinário, é o Tucum. Esse é um chamado também, o Tucum. Por exemplo: a pessoa está mal de vida, está mal assistida, e não está se sentindo bem. Pode fazer um trabalho com ele. Tucum é o nome de um caboclo. É uma entidade de muita força, de muito poder. Você reza três Pai Nosso até onde diz: Livrai-nos, Senhor, de todo o mal. Aí, pede licença ao Mestre Juramidã para chamar o senhor Tucum. Chama três vezes, repete três vezes seguidas e fecha com a Salve Rainha. Depois dessa Salve Rainha, você faz os seus oferecimentos. Oferece ao Mestre e a sempre virgem Maria aquelas preces que foram rezadas naquele momento e ao senhor Tucum, para ele ajudar. Se não é o senhor, é fulano, é cicrano ou beltrano, também o senhor peça em nome dessas pessoas que estão necessitadas para nas dar conforto, nos proteger e nos livrar de todo o mal para pudermos seguir na linha, livre de todas perturbações. Aí, oferece também a um santo anjo da guarda de preferência, ao santo anjo da sua guarda, ao santo anjo da guarda daquele que também está perturbado, oferece as cincos chagas da sagrada morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora do Desterro, para que sejam desterrados todos males, todas as perseguições, perversidades e perturbações de toda natureza para a zona do mar sem fim, onde cristão nenhum habita. Você faz este pedido, este oferecimento três vezes seguidas. Quarta, quinta e sexta ao pôr do sol. Aí, eu quero ver. Você sabia que, muitas vezes a pessoa está é perturbada e aperreada, sofrendo disso e daquilo. A doença não é material, é espiritual. Entidades espirituais, malfazejos que ficam perturbando as criaturas. No hinário não se deve repetir esse hino, só se canta uma vez.

 

PISEI NA TERRA FRIA

No final de 1970, após seu aniversário, pelos 17 ou 18, ele recebeu o hino Pisei na Terra Fria. Este hino era recém recebido quando um dia, eu estava lá, e eu ia inclusive cortar o cabelo dele, porque eu era quem cortava o cabelo dele. O barbeiro dele era eu. Tinha uma pessoa dentro da casa dele, em determinado cômodo, cantando: ...Pisei na terra fria..., estava lá cantando naturalmente. Aí, o Mestre falou: Ô Marta, este hino não é diversão, este hino é um hino de condolência, para quem tem coração". Ele ainda falou que futuramente queria colocá-lo só na missa e também para ser cantado no Dia de Reis, na Entrega dos Trabalhos, mas não para ser bailado. Quando for cantar ele, fica todo mundo perfilado, sem maracá e sem bailar. Aí, depois dele canta-se o Oferecimento. Aí, pode-se bailar. Aí encerra.

 

MISSA

Os hinos da missa ele fez essa escolha. O próprio Mestre que fez a escolha dos hinos que são permanentes na Missa. O das velas em volta da mesa é do João Pereira. O Despedida é do irmão Joaquim. Chamava Joaquim Português, agora eu não sei o nome dele. Ele era português mesmo. Ele tinha um hinariozinho pequenino, onde o Mestre escolheu esse hino para a missa, esse Despedida. O Joaquim Português morreu no Rio de Janeiro. Senhor Amado do Germano. É do hinário do sr. Germano, mas é só da missa.

 

DIVERSÕES

O hino é Pá Pilar. Ele cantava pá pilar. Ele recebeu na Vila Ivonete. O que quer dizer 'pá pilar' eu não sei, nunca perguntei a ele não, mas uma vez perguntaram a ele. Aí, ele só fez cantar. Ele não falou nada, só cantou. Canta três vezes.

O Cacheado é uma entidade que se apresentou para ele, e nos hinos dele os índios e os caboclos da mata têm muita influência. O Mestre estava trabalhando dentro da miração quando apareceram para ele duas entidades. Um conversando com o outro. Aí o um falou paro o outro: -Cacheado, Venha cá! Aí o outro respondeu sorrindo: Carracacarracacá. Aí, quando o primeiro quis chamar de novo, o segundo respondeu rindo mesmo: Carracacarracacá. Aí, ele dobrou a risada, que justamente é o 'Carracacarracacá! É uma risada dobrada. E o Mestre vendo aquilo, quando veio a música.

 

Cantar me apareceu. Ele disse que a entidade apareceu para ele, conversou com ele e foi embora. Ele não perguntou quem era. A entidade não disse o nome, porque ele não perguntou. Aí, ele diz que eles tornaram a se encontrar de novo, e ele não perguntou quem era novamente.

 

Devo acochar o nó - essa é uma diversão, e ao mesmo tempo serve tanto... Por exemplo: um casal não está se entendendo bem, está desigual. Cante esse hino 3 vezes. Mas meu Deus! É uma benção! O hino pede união. Devo acochar o nó de que quer se desatar. Essa instrução de cantar 3 vezes, foi ele quem deu. É para acalmar o casal, acalmar as desarmonias.


Ela disse que ele ia precisar ficar vários dias na mata, oito dias, sozinho, sem ver ninguém, afastado de tudo, era pra ficar na dieta, só podia comer macaxeira sem sal nem nada, tomando daime. Quando foi um dia o Antônio Costa, que estava por perto, que cuidava dele, foi lá e escondido, botou sal na macaxeira dele, mas o Mestre, quando viu aquela macaxeira, foi logo dizendo pro Antônio Costa: “Então, quer dizer que você quer me enganar, botando sal na minha macaxeira? O Antônio Costa se assombrou com aquilo e pensou: “Como ele podia saber?” Aí ele viu que o Mestre já estava entendendo das coisas.


O Mestre passou muita provação na mata, viu muita coisa. Quando terminou a dieta, a Rainha apareceu pra ele. Aí ela disse que ele já estava pronto para receber o que ela tinha para lhe entregar. Ela disse para o Mestre que ele poderia pedir o que ele quisesse. O Mestre pediu pra ser o melhor curador do mundo, e para ela colocar tudo que pudesse curar naquela bebida. Foi aí também que ela disse que a bebida se chamava daime. É um pedido, uma prece que a gente faz a Deus... dai-me saúde, dai-me amor. A gente pode pedir tudo porque essa bebida é divina mesmo, ela tem tudo que a gente precisa.


Às quartas feiras, era o serviço de concentração. Começou pelas concentrações. Às quartas feiras, todo mundo concentrado, o Mestre trabalhando em benefício daquela pessoa que estivesse necessitado, que estivesse presente ou ausente. Mas ele tava trabalhando naquele benefício, todo mundo também concentrado, também, naquele fim. Então, naquela época tinha aqueles “chamados”, de cura mesmo. Ele chamava, silenciosamente, ele chamava ali mesmo. Dentro da concentração ele recebia a cura daquela pessoa ou como podia ser. O “chamado” de cura a gente não pode andar cantando não, “chamados” de cura é coisa muito silenciosa, não é? Tem coisas que a gente não pode publicar tudo. Não é por nada não, é porque tem pessoas que não sabem usar e depois bota fora. É isso.


Quando eu nasci, a gente morava no Calafate. Não sabia nem que existia Mestre Irineu. Depois, meu pai viu sair uma conversa fiada do compadre Pedro, de que no lugar que ele morava dava muito peixe, muita caça. Aí, fomos morar num lugar que chamava Dois de Paus. Daí, começou a adoecer todo mundo com a malária. Nesse tempo não era malária, era paludismo. Primeiro quem pegou fui eu, arriei. Meus irmãos também, tudo pegou. Depois a mamãe pegou também. Papai ficou lutando com tudo sozinho, sem poder trabalhar, sem poder fazer nada. Ainda morreu um irmãozinho meu de dois aninhos. O pai ficou sem saber o que fazer. Papai adoeceu por último. Ele pegou também e disse: “Vai morrer tudinho, eu vou é embora daqui, deixo tudo isso aí, vou viver de outra vida.” Aí, fomos para a casa da minha avó. Era todo dia caminhada pro hospital. Os meus irmãos e o papai também logo ficaram bons, mas eu não tive isso não. Eu foi quem mais peguei. Quando a mamãe também melhorou logo, cuidou, tomou conta. Pra mim não tinha remédio, não tinha injeção, não tinha nada, pra mim nada servia, aí, o João Paulino, um conhecido de pai, chegou e disse: “Olha Ribeiro, ali tem um homem que tem um trabalho que é uma coisa incrível, que eu nunca vi, mas só vendo pra gente crer. Ele trabalha com uma bebida. A pessoa toma essa bebida e se concentra e vê tudo, até os parentes que já morreram”.


Papai ficou assim. Papai não era homem de andar acreditando em qualquer coisa não. Mas quando ele ouviu falar do Mestre Irineu ele disse: “Eu vou lá ver, eu vou ver isso como é que é.” Aí, ele foi com o João Paulino. Na outra vez que ele foi, arranjou um vidrinho. Minha mãe me deu uma colher, já era muito. Eu tinha oito anos. Foi no fim de outubro de 1934. Eu fiquei deitada, cuidei de quietar minha cabeça pra dormir, fui aquietando, quando dei fé as coisas foram ficando diferentes, foi crescendo e tal. Aí eu gritei: “Mamãe.” Ela respondeu: “O que é menina?” “Chega aqui depressa que eu vou já morrer.” Correu, mandou chamar o pai. Lá se vem. Quando ele vem de longe, ele já vinha rindo, chegou e disse: “Você tá é com medo, isso não faz medo não, é assim mesmo, coisa e tal.” Mas eu já estava assombrada: “Mamãe, a senhora arma uma rede pra mim lá fora que eu não fico aqui nessa cama. Mamãe armou a rede e eu fiquei lá. Ora, pra mim, os arvoredos, era tudo flanado, tudo mexendo. Eu disse: “Que negócio foi esse?” Foi indo, foi indo, passou. Já me sentia melhor do paludismo.


Quando foi na outra semana papai disse: “Se arrume e vamos comigo.” Cheguei lá. O pessoal todo, só existia concentração cerrada mesmo, que ninguém nem fungava não. Até quando terminou, o Mestre disse assim: “Antônio Ribeiro, cadê a moça que você disse que ia fazer zoada aqui e atrapalhar todo mundo? Ele disse: “É ela, me desmentiu.” O Mestre disse: “Ora, essa aí ver ser ayahuasqueira até debaixo dágua. Aqui, acolá, a febre me aparecia. Toda semana ainda tinha que ir pro hospital, sei que com poucos dias apareceu essa pílula que chamava ararém. O Mestre procurou no trabalho um remédio pra acabar com aquilo, disseram que meu remédio era aquele. Ele foi e disse pra papai comprar uma caixa de ararém, se eu tomasse uma caixa eu ficava boa. “As primeiras doses vai ser dose dupla, depois ela vai ficar tomando uma um dia sim, outro não, até terminar a caixa.” E assim eu tomei. A febre ficou com medo de mim. Graças a Deus fiquei boa e completamente curada.


Joao de Senra era um senhor de idade média, mais ou menos. Então, ele se achou muito doente e teve muito tempo hospitalizado. Mas os médicos não achararam meios de curá-lo, e logo o desenganaram. Depois de muita luta, ele saiu do hospital, aí ouviu falar do Mestre e veio ao encontro do Mestre. Chegou, contou a história dele, que os médicos já tinham o desenganado e ele tava sem esperança. E o Mestre Irineu disse: “Não perca a esperança porque os médicos desenganaram, mas Deus não lhe desenganou. Então vamos esperar pela voz de Deus.” Aí, ele foi trabalhar em benefício do homem. Na concentração ele recebeu o remédio que ia servir pra ele. Agora, o remédio é importante dizer, como é uma coisa tão frágil e tão valiosa. Porque o caso dele era uma pedra na uretra, era uma coisa muito perigosa, né? Então, o remédio saiu. A gente não cozinha e joga os ossos fora? Ele mandou juntar da montura que já tá se derretendo. Porque, quando ele já tá muito velho fica farelozinho, derrete. Mandou juntar e lavar muito bem lavado. Depois, cozinhar, fazer aquele cozidão daqueles ossos. Quando acabar, coar muito bem coado, pra ele tomar aquela água. E com esse remédio o homem ficou bom. Tomando daime e tomando esse remédio desses ossos velhos. Ele viveu muitos e muitos anos. Ele morreu, mas não dessa doença.

 

Porque o poder quem recebeu foi ele. O nosso Mestre foi quem recebeu o poder dessa missão. Se todos nós soubéssemos compreender, procurar, e quem quiser pode tomar daime e ir ver se eu estou errada ou não. Porque, quando ele começou a trabalhar, ela perguntou o que é que ele queria. Ele disse que queria ser o melhor curador. Aí ela disse: “Você tem esse poder, mas tem uma coisa: você nunca cobre dinheiro pela cura que você faz. Todas as curas que você fizer não tem direito de cobrar nenhum dinheiro por essas coisas. Porque se você pedir dinheiro por essas curas, você vai pedir força ao dinheiro e não ao poder divino.”
O primeiro hinário foi na casa de Maria Damião, 23 de junho de 1935. Eram muito poucas pessoas nesse tempo. Meu pai ainda era vivo. Então, só tinha dois hinos do irmão Germano Guilherme e dois do João Pereira, cada um tinha dois hinos e o Cruzeiro do Mestre tinha apenas cinco.


Quando nós chegamos na casa do Mestre, eu com meu pai e a nossa família toda, só tinha Lua Branca. Era o hino que tinha, era Lua Branca. Aí, eu era criança naquele tempo, eu tinha nove anos. Saiu o Tuperci, logo veio o Ripi. Eu imaginei assim: “Eu vou enumerar quantos hinos é que vai sair.” Aí, tive aquela ideia. Mas foi Deus que me deu aquele dote. Saiu um, depois saiu outro e depois saiu outro. E eu numerando um atrás do outro. Quando chegou no São João, ele disse que queria fazer um trabalho de hinário, mas a casa dele era muito pequena e tal.


Aí o finado Damião Marques que era o marido da Maria Damião, ofereceu a casa dele pra ele fazer o hinário. Ele aceitou, aí, nós fomos. Eles cantavam cada hino repetido três vezes pra aumentar. Quando chegava no último, voltava começava de novo porque, era pouco demais. Até quando chegou lá pelas onze horas da noite, aí, deu intervalo. Nessas alturas, precisava você ver uma mesa repleta, era canjica, era pamonha, era daquele outro que chama pé de moleque, né, era tanta da comida. Passamos a noite. Depois de tudo fomos cantar novamente. Com nove hinos apenas. Foi até o amanhecer do dia, o primeiro hinário cantado. Mas era sentado, não dava pra bailar. Além de ter poucos hinos era pouca gente também. Foi sentado, cada qual nos seus lugares e assim foi realizado.


Os irmãos recebiam os hinos e iam apresentar lá com ele. O que ele aprovava tava aprovado. Quando ele não aprovava, ele mandava pra mim aquele que não tava certo. A ordem que ele me dava era essa: aquele que não tava certo eu podia cortar. Mas eu nunca gostei de fazer isso, porque eu gostava das pessoas. Então eu dizia: “Tome daime vá corrigir seu hino.” Sempre eu disse assim. Teve dele que nunca mais foi lá, nem falava no hino que não tava certo, é isso. O dele já vinha corrigido, não tinha o que corrigir. Ás vezes ele me perguntava se tinha alguma música igual a outra, pra não interpretar dois, três hinos numa música só. Ele sempre que me perguntava nos hinos dele, era isso.


A diversão Aurora da Vida foi sobre a separação da esposa do José das Neves, antes dela morrer, mas, a culpa foi dela, não foi dele. Ela que se embelezou lá por outro rapaz, né. O rapaz nem queria ela. O rapaz não ofereceu nada pra ela. Ela que se iludiu, a mulher parece que ficou cega. Aí, o Mestre chamou ela, e aconselhou que ela deixasse aquela ilusão que ela estava iludida, e ainda sem fundamento, não é? Não tinha precisão de ela fazer aquilo, que ela vivia muito bem, mas ela não quis saber de conselho não. Aborreceu o marido de uma forma que chegou o ponto da separação. Quando ela separou, aí, ela correu pro rapaz, não sabe? Aí, chegou lá e disse pra ele que ela agora estava livre e coisa e tal. Ele disse: “Não vou fazer isso, eu sou amigo do Zé das Neves, eu não vou fazer isso, o Zé das Neves não merece que eu faça isso com ele. “Pra que a senhora fez isso e tal?” Ainda a repreendeu. Aí, ela: “Mas, agora já aconteceu não tem mais jeito. Ela ainda ficou um pouco pra ver se assim ele queria. Mas, ele não quis: “O que eu posso fazer é alugar uma casa pra senhora, pra senhora não ficar no meio da rua”. Aí, ela ficou decepcionada, ela resolveu voltar pra casa da mãe dela em Xapuri. Aí, a família toda ficou revoltada com ela, que ela não precisava ter feito aquilo. Aí passou-se um bom tempo, e a última notícia que nós tivemos era que ela estava plantando na praia de rio, puxando enxada pra sobreviver. Quem vivia numa pose de rainha como ela vivia, pra ir arrastar enxada, hein? Olha, é doloroso, depois tivemos outra notícia que ela tinha se juntado com um seringueiro e aí ninguém teve mais notícia dela.


Quando é um belo dia o Mestre sonhou, teve um sonho com ela, que ele ia em uma estrada direta, nessa estrada lá adiante, ele disse que tinha uma volta, aquela que chama de rodeio. Quando ele chegou na entrada daquela volta, ele avistou ela no sonho, mas, antes dele chegar perto dela, ela avistou ele e não quis cumprimentá-lo. Acho que ela envergonhou-se dele, o espírito dela envergonhou-se do dele. E não quis nem chegar a ele, ela entrou pelo rodeio e ele seguiu a reta. Da reta que ele vai, ele foi escutando ela cantando nesse rodeio, pra sair lá na frente. Quando chegou lá no fim, ela terminou, já na saída do rodeio, aí, ele acordou, e foi logo cantando a música: “Se eu soubesse eu não tinha nascido, para hoje eu andar sofrendo, a piedade me disse, o que que tu andas fazendo...” Foi assim. Alguém pensa que essa música é diversão, mas é uma coisa muito dolorosa, se a gente for prestar atenção serve de exemplo pra muita gente.


Quando a farda começou não era do tipo dessa que nós usamos hoje em dia. A primeira farda da mulher sempre foi azul e branca, mas o modelo era diferente. O que existe da primeira farda é só aquelas letrinhas da farda azul que tem no bolso da camisa das mulheres, CRF, Centro da Rainha da Floresta. A primeira, a do vestido branco, tinha uma gola marujo, a gola azul por cima, agora em baixo na barra tinha três divisas azuis também, assim da largura de um dedo, na saia. O punho da manga também tinha essa divisa assim, agora bem estreitinha. Na ponta da gravata (lenço) tinha um F e nos dois cantos da gola tinha o C e o R.


Daniel Pereira de Matos tinha adoecido. Lá se soube da notícia que ele estava muito doente. Nós fomos lá e tal. Quando chegou pertinho do dia dele ir embora, aí saiu esse hino: “Chamei lá nas alturas, para o divino me ouvir, a minha mãe me respondeu, oh filho meu, estou aqui”. Aí, na hora que o hino saiu, o Mestre falou logo: “Precisamos visitar o Daniel”. Com três dias lá vem a notícia, vieram chamá-lo, que ele já tinha falecido. Aí, nós fomos lá pro velório dele, até pela madrugada. Enfim, de lá para cá, a gente vinha todo tempo cantando esse hino na estrada. Aí, ficou na recordação. Toda vez que canta o hino, eu me lembro.


Papai morreu três anos depois da chegada de Antônio Gomes. Eu era a mais velha de todos os meus irmãos. Duas semanas depois do falecimento de meu pai, o Mestre disse que ele tinha aparecido cinco vezes numa miração. Meu pai dizia: “Mestre, eu ando nesse mundo de meu Deus, vejo tantas maravilhas, tanta coisa bonita que eu não esperava que existisse, mas quando me lembro do senhor...” Ele veio cinco vezes, até que o Mestre perguntou: “Ribeiro, o que você deseja de mim?” “Mestre, eu quero que o senhor tenha mais paciência com minha família, do que o senhor teve comigo”. O Mestre disse: “Tá feito. Não se preocupe, faca sua viagem.” E recomendou o espírito dele.


Sempre, ninguém pode dizer que não tem alteração, é por que tem, não é? Alteração é encrenca, são desavenças, são desentendimentos em casa fora ou com a irmandade, seja com quem for, é qualquer alteração, e isso aí é que é alteração.


Sempre ele fazia batismos na data de São João e Natal. Mas uma coisa que ele nunca gostou foi fazer batismo à meia noite, ele só fazia ao amanhecer do dia . Ele disse que era pra dar felicidade ao inocente. Com a luz do sol é que vem trazer a luz da memória, dá saúde, dá tudo de bom pra aquela criança, né? E não à noite. À noite só tem escuridão né? Não tem luz, então, a história é essa.


Eu sei que botaram na cabeça do policial que o Mestre estava lá, fazendo e desfazendo, casando e descasando. Era um tal de Tenente Costa, que não gostava mesmo do Mestre, e que vivia inventando coisa para perseguir o Mestre. Aí, mandaram um contingente, mais de trinta homens, para prender o Mestre. Imagine só. Um pessoal indisciplinado, iam entrando, derrubando as coisas. Daí, o Mestre estava até descansando nessa hora, sem saber de nada. Eles chegaram invadindo, e era o tal de Tenente Costa que ia na frente.


Iam invadindo, sem consideração, entraram no quarto dele, mexeram na gaveta da mulher dele, uma falta de respeito. Quando o Mestre acordou, eles estavam com o revólver na cabeça dele já. E o Tenente disse assim para o Mestre: “Não estremeça”. Eles desceram. Aí, foi que foram dizer que eles tinham uma queixa lá contra o Mestre, e que queriam prender ele. Estavam dizendo que o Mestre estava acobertando o Zé das Neves. Porque o Zé das Neves estava sempre envolvido com as mulheres. E estavam dizendo que ele tinha roubado uma dona, era uma mulher da vida, e que ele tinha escondido a mulher na casa do Mestre, e que o Mestre ia casar os dois e tudo mais. O Mestre não sabia dessa história não, nem sabia onde estava o Zé das Neves. Eles já iam prender o Mestre, mas aí chega uma ordem do Coronel Fontenelle – que já sabia o que estava acontecendo – mandando dizer que se tocassem num fio de cabelo do Mestre iam ter que se ver com ele.


O trabalho de 23 de junho de 1945 foi realizado embaixo de um laranjal. Como a mudança da Vila Ivonete para o Alto Santo havia sido recente, no final de maio, não houve tempo hábil para o Mestre Irineu construir um local para a sede. Foi um trabalho inesquecível, era um dia muito frio, todo mundo pensava como ia suportar a frieza da mata naquela noite. Mas nem sentimos o tempo passar, tomamos o daime e começamos a cantar os hinos do Mestre, sentindo aquele conforto que parecia vir de cima. E vinha mesmo, em meio a toda aquela mata, cantamos como se estivéssemos em pleno salão.


O Antônio Gomes estava doente, o Mestre me chamou e disse: “Eu recebi uma cura pro Antônio Gomes.” Aí eu disse: “Recebeu, graças a Deus.” Aí ele foi e cantou: “Só eu cantei na barra, que fiz estremecer, se tu queres vida eu te dou, que ninguém não quer morrer...” Ele cantou todinho. Aí, quando ele acabou eu digo: “Já estou ciente do que vai acontecer.” Aí eu pensei que o que ele tinha recebido era uma cura pra ele, mas foi uma cura eterna. Com dois dias ele faleceu, mas foi uma morte muito bonita a dele. Ele estava consciente de fazer a passagem, quando chegou a hora, ele reuniu todas as pessoas que estavam ali. Aí, com todos ao redor dele, mandou todo mundo rezar, quando chegou lá numas alturas ele olhou assim e disse: “Tem gente aí que não está rezando.” E ele rezando também, foi rezando, quando chegou na Santa Maria, ele aí foi se entregando. Foi uma morte bonita, bonita mesmo a morte dele. Poucas pessoas têm coragem de fazer um trabalho desses, não é?


A passagem de Maria Damião foi em 1949. Ela tava boazinha, né, a passagem dela foi rápida demais. Foi uma extravagância que ela fez. Por que o tempo dela era chegado. Aí com três dias ela se vai. Eu tava aqui, a gente morava no Alto Santo e ela morava ali na Alberto Torres. Quando eu recebi o recado que ela tava muito doente, mas eu pensei que era uma coisa vaga, aí eu disse: “Faz muitos dias que ela tá doente?” Aí o menino dela foi me avisar. O igarapé estava alagado, e não tinha ponte nem tinha canoa. Nesse tempo, a gente passava por cima de uma árvore que tinha caído, por cima dos galhos, com o maior sacrifício. A notícia chegou por umas dez horas do dia. O menino me disse que ela estava muito doente, mas ele nem soube dizer como começou, nem como era. Aí eu pensei que não fosse coisa. Aí, eu ia fazer o almoço ainda. Depois do almoço eu vou lá. Eu devia ter ido antes. Aí eu fui fazer almoço, almocei. Quando acabei de almoçar, fui lá no Alto Santo. Cheguei lá, falei pro Mestre que ela não tava bem, que o menino tinha ido me avisar que ela estava assim desse jeito. Que ela era muito unida comigo, a Maria Damião comigo mesmo parecia que nós éramos gêmeas. Não passava nada entre nós. Aí, eu cheguei lá, falei pra ele. Ele pensou um pouco e disse assim: “Você vá depressa e chegue lá, mande comprar um purgante, aguardente alemã, e se der tempo, você aplique aguardente alemã com sene.” Aí, eu mandei, cheguei lá, ela estava sem fala. Ninguém sabia aonde era os olhos nem a boca nem nada, o rosto todo inchado. Ficou assim aquela coisa mais horrível do mundo. Minha Nossa Senhora. Chegando assim mesmo ainda mandei comprar o remédio, quando chegou ela já tinha falecido.
A doença do João Pereira foi uma coisa tão esquisita que eu nem sei dizer. Eu sei que ele esteve doente prostrado muito tempo. Até tem um hino dele, um hino muito bonito, já chegando nos últimos, que esse ficou fora da linha. Eu sabia o hinário dele, sabia todinho, mas quando ele estava doente me falhou na memória alguns hinos. Quando eu vi que ele estava nas últimas mesmo, mas ele estava com o pensamento dele firme, a gente via que ele não tinha mais jeito, mas ele falou até no último momento. Fui vendo que a coisa estava se aproximando, que eu não lembrava todo o hinário dele, chamei o Antônio Roldão que era irmão da Dona Raimunda, cunhado do Mestre. Ele sabia o hinário também. Eu fiz assim, vou pedir pra ele cantar os hinos arrastado ou não? O Antônio veio e disse: “Não se preocupe não, que eu sei do hinário dele todinho.” Eu fiquei descansada. Quando o homem morreu, ele não sabia, faltava esse que ele não sabia. Aí não tinha mais jeito.


O hinário do João Pereira ficou arquivado três anos. Um dia o Mestre me chamou e disse: “Você ainda se lembra do hinário do João Pereira?” “Lembro sim senhor”. “Pois você escolhe uma pessoa aí, pra ensinar esse hinário pra ele ficar na ativa.” Eu chamei o Chico Granjeiro. Chamamos ele, perguntamos se ele queria, ele disse: “Quero sim.” Eu comecei ensinando a ele, mas ele sofreu pra tomar conta. Eu não sei porque. Quando começou a cantar os hinos, diz ele que dava agonia, dava frio, dava tudo, quando era pra ir pros trabalhos. Depois, ele aprendeu direitinho.


As Concentrações do Círculo Esotérico sempre foram muito bem organizadas. Todo mundo se prontificava dentro dos trabalhos em silêncio. Agora, o presidente do Círculo Esotérico era quem mais falava. Tinha também outras pessoas lá que davam as instruções. Não eram concentrações fechadas e silenciosas, porque tinha aquelas pessoas falando, dando instruções do Círculo Esotérico.


Quem vai fazer “Abertura de Mesa” não é aquela pessoa, a pessoa que está ali, é só um representante. Tem que pedir conforto, tem que pedir força ao Mestre e a Deus todo poderoso, pra poder fazer aquele trabalho. Se quiser ter bom êxito, tem que pedir licença e pedir ao Mestre a sua infinita e eterna bondade, que Nosso Senhor Jesus Cristo venha naquele momento presidir aquele trabalho, para poder ter bom êxito. Tem de fazer os chamados tudo direitinho, rezar aquela prece com nove cruzes. Agora a pessoa que está sendo beneficiada tem que pôr a cruz no peito esquerdo. Compõe-se a mesa de três, cinco, sete ou nove pessoas. A mesa não pode aumentar e nem pode ser par, só pode ser ímpar. Agora, depois que se chama, reza-se uma Salve Rainha. Reza-se depois da Salve Rainha a oração, reza a “Oração de Mesa”. Depois da gente rezar cada oração, quando chega lá pelo meio, tem uma precesinha, reza três Pai Nosso pra fechar e no fim da prece chama-se o Tucum três vezes. Aí, fecha com a Salve Rainha e faz os oferecimento, oferece ao Mestre, à Virgem Soberana Mãe, ao Senhor Tucum e à intenção. Quem está fazendo tem que primeiro fazer em intenção do seu nome e do anjo de sua guarda. Para não jogar pros outros, pra não ficar de corpo aberto. Então eu ofereço ao nome santo do anjo de minha guarda, depois eu ofereço aos santo do nome da guarda daquela pessoa que está sendo beneficiada e ao anjo da guarda dela. Pra fechar, em nome das “Cinco chagas que apaixonou Jesus e para Nossa Senhora do Desterro”, para que seja desterrado todo mal que estiver perturbando aquela pessoa ou aquelas pessoas.” Porque às vezes não é um só, são uns, que estão naquela lista. Aquelas pessoas que estejam completamente beneficiadas pela divindade e que Nossa Senhora do Desterro desterre todo mal e todas as perseguições que estiver havendo contra aquelas pessoas, e aí fecha. Chama-se o Tucum. Depois eu recebi a autorização de chamar por ele.


Germano vinha doente há muitos anos. Ele tinha uma enfermidade na perna. Ele tomava daime e pelejava pra se curar. O Mestre dizia que ia fazer um trabalho pra ele, pra ele ficar bom. Mas ele quebrou o pau, não fez como o Mestre mandou e passou do tempo da cura. Um dia ele tomou daime e foi ver porque não ficava bom. Primeiro ele viu um senhor de engenho, que era ele. Ele era um desses fortes, lá no tempo da escravatura. Ele era um dos malvados, que mandava dar surra naqueles pobres coitados de tirar sangue nas costas. Depois ele viu a mãe dele, gestante, e era ele. Quando a mãe dele andou de lá pra cá (Acre), quando nasceu era ele. Agora, esse sendo o fulano que era o malvadão. E foram mostrar na miração porque aquela ferida nasceu na perna dele. Era o exemplo das malvadezas que ele fazia com os pobres coitados. Ele dizia que aquilo ali era perpetuamente (sentença). Ele tinha que cumprir. Porque ele estava pagando o que ele devia. Pagando a dívida que ele tinha com a divindade. E ele morreu e não ficou bom dessa ferida não.


O Mestre Irineu chamava ele de maninho. Era de um para o outro. Eu acho porque era tudo da mesma cor, trabalharam juntos e serviram juntos. Tem os dias de trabalho que a gente canta o hinário do Germano com o Cruzeiro, é na Nossa Senhora da Conceição. Primeiro era o hinário do Germano. O dia de Natal era do mesmo jeito.


O Mestre sempre falava que tinha de organizar a farda de concentração. Porque a nossa farda era só a farda oficial. Ele queria que tivesse a farda de concentração e outros festejos de aniversário, essas coisas. Mas que tivesse aquela farda, sem ser a farda oficial. Ele então esquematizou tudo como deveria ser a farda azul. Pelo menos da mulher, era saia azul e blusa branca com aquelas letras em cima do bolso, CRF. Eram as três letras que foram da primeira farda que nós usamos. Era diferente dessa de hoje, completamente diferente da primeira farda. Aí ele deixou essas três letras que simbolizavam Centro da Rainha da Floresta. Então, antes de falecer ele esquematizou tudo como havia de ser. Mas só veio ser regulamentado depois que ele faleceu. Até então, não deu tempo de organizar, mas ficou tudo já esquematizado, tudo direitinho como ele queria, e assim foi feito.