Pequena retrospectiva do caso da liberdade na França, por CLAUDE BAUCHET:

1) As primeiras acusações que foram feitas contra nós, após as prisões em 1999, foram: "associação de malfeitores, escroqueria em bando organizado, uso e tráfico internacional de estupefacientes sobre fundo sectário". Após a enquete policial, falta de provas, o juiz de instrução pronunciou a nulidade sobre as acusações de "associação de malfeitores e escroqueria".

2) Quando fomos ao tribunal pela primeira vez, somente subsistiam as acusações de "uso e tráfico internacional de estupefacientes sobre fundo sectário".

O procurador da república havia indicado que nosso processo não era o de uma religião se inspirando no cristianismo, mas de pessoas que utilizavam, sob a cobertura religiosa - precisou o mesmo, uma bebida que contém uma substância proibida pela lei francesa, a DMT. A requisição do procurador sustentava então que era preciso sancionar a infração.

Nossa defesa foi: nós não utilizamos a DMT, mas a ayahuasca, que nomeamos em nossa prática religiosa de Santo Daime, que contém a DMT, mas a DMT natural, e em quantidade infinitesimal (como é também encontrada em uma variedade de plantas no mundo e também entre os mamíferos, notadamente os homens). Nós mostramos as conclusões de várias pesquisas efetuadas nos domínios antropológico, toxicológico, farmacológico e do direito internacional, assim também como toda a argumentação dos processos na Holanda e na Espanha e a experiência das autoridades brasileiras nesse campo. Nós também convidamos o senhor Jace Callaway, que agradecemos pelo interesse em nossa causa (Callaway esclareceu ao tribunal sobre suas pesquisas científicas sobre a ayahuasca na universidade de Kuopio). Enfim nós insistimos em bem mostrar que nós comungávamos um sacramento antes de tudo no contexto religioso, muito mais do que se apenas consumíssemos uma bebida. Sobre várias formas, esse ritual religioso remonta a tempos imemoriais, segundo os costumes dos povos amazônicos.

Foram estas em resumo, as acusações e a nossa defesa. Todavia, embora com a riqueza de nossas informações e demonstrações, o tribunal correcional nos condenou a penas de prisão de vários meses com sursis.

A decisão de 13 de janeiro 2005:

A apelação do segundo processo aconteceu no dia 4 de novembro de 2004. Essencialmente nós retomamos a base de nossa argumentação inicial. Contudo nós enriquecemos a defesa com dois elementos essenciais.

Em primeiro lugar o dr. Caballero, professor de direito, especialista na França sobre as questões de estupefacientes, apresentou ao tribunal um estudo fino sobre o assunto DMT e sua compreensão no direito francês. Ele questionou vigorosamente a validade da nomenclatura da lei francesa sobre os estupefacientes. Em segundo lugar um cientista, da comissão de classificação dos produtos de consumação pública do ministério da saúde, fez um depoimento escrito sobre as definições farmacológicas que provam que nosso sacramento não tem nada a ver com a extração de uma substância ou uma preparação a partir de derivados puros, em ocorrência a DMT.

O tribunal foi assim devidamente esclarecido para pronunciar nossa liberdade. Decisão essencialmente baseada sobre o princípio da legalidade, tema defendido desde o inicio por um de nossos advogados, dta. Atallah, a saber, que éramos acusados de um delito que não existia.

Os elementos que a corte de apelações finalmente levou em consideração foram os seguintes:

1 ) Em direito, a somente toxicalidade de um produto não permite à autoridade judiciária classifica-lo como estupefaciente e que era notório o Santo Daime não figurar com esse nome em nenhum texto da lei francesa.

2 ) Constata que a ayahuasca não é classificada como estupefaciente por medida regulamentar.


3 ) Quanto a DMT contida na bebida chamada Daime ou ayahuasca, ela é o mesmo produto interdito pela lei francesa que vem da convenção de 1971.

A corte lembra entretanto que, se a DMT fosse obtida em operações de extração, ela seria sem nenhuma constatação submetida a lei francesa, mas todavia, as operações de "decocção de infusão e maceração não permitem a obtenção de uma substância pura".

Tampouco é uma preparação que é considerada como uma operação que consiste em misturar previamente as substâncias.

O Daime é uma infusão, decocção, maceração, e não tem por objetivo isolar substâncias. A corte de apelação, não podendo legislar, a não ser sobre os fatos relacionados no processo, constata que os fatos mencionados contra nós não podem existir em estado juridicamente constituído, por falta de bases legais suficientes, ela anulou então o primeiro julgamento e ordenou a restituição de nosso sacramento apreendido pela polícia em 1999.

Resumo da situação após a classificação dos principais componentes da Ayahuasca / Santo Daime, pelo Ministério Francês da Saúde:

Apos a decisão da comissão da "Agência Francesa de Segurança de Produtos da Saúde" (Ministério da Saúde) e sua publicação pelo Diário Oficial de 3 de maio de 2005, assinada pelo Ministro e, por delegação, pelo diretor geral da Sáude, senhor D.Houssin, os principais componentes da Ayahuasca são a partir de agora classificados na lista de produtos estupeficientes.

Como indicou Arnaud Aubron, jornalista do jornal "Liberação" que investigou sobre o assunto e que usa um comentário de Annick Darley e Frederik Bois Mariage, que redigem atualmente uma tese sobre a Ayahuasca na França: "Todo pequisador conhecendo bem a literatura cientifica sobre a ayahuasca e seus componentes e tendo uma experiência de campo não pode concluir que se trata de outros critérios que a objetividade cientifica e respondendo a outras razões que a proteção da saúde pública". Há cinco anos que dura essa novela farmaco-jurídica-política, as autoridades ignoram que elas sejam científicas do Ministério da Saúde que trabalha o dossiê desde 22 junho 2000 (ver relatório da comissão nacional de estupefacientes e psicotrópicos do 27 junho de 2001 pelas autoridades judiciárias que investigaram o caso), e é bom saber que em nenhum momento a partir do qual fomos em prisão, não fomos ouvidos pelos juízes de instrução que conduziram a investigação.

Face a essa grave situação, que nos impede de praticar livremente nossa religião (pois sem o nosso sacramento nosso culto é desnaturalizado) nós acreditamos ainda no espírito do diálogo. Mas estamos determinados a ir até o fim de nossas ações que vão se desenvolver de diferentes formas e direções:

1 ) Apelo ao Conselho de Estado que é uma das duas cortes supremas do Estado Francês, (a outra sendo a Corte de Cassação) e da Corte de Direitos Européia, em caso de derrota no Conselho de Estado.

2 ) Tentar instaurar um diálogo com as autoridades para explicar nossa prática e fazer proposições construtivas para sairmos desse impasse.

3 ) Continuar nossa própria investigação com nosso grupo de amigos: jornalistas, cientistas, políticos, utilizadores e simpatizantes da Ayahuasca, a fim de compreender quais são as razões obscuras de um tal posicionamento em querer interditar um produto que é inofensivo para a saúde pública (Zero mortes com Ayahuasca, e isso desde vários séculos, 45000 mortes por ano na França com o álcool)

4 ) Criação de uma associação "Associação para o uso e tradição da Ayahuasca" com os amigos do centro Takiwasi e seus representantes na França, a fim de fazer entender nossa voz ao mundo inteiro que conhece a verdade científica sobre a Ayahuasca.

5 ) Face ao movimento internacional proibicionista contra nossa bebida sagrada (Itália, Estados Unidos, França, Alemanha), é no meu ponto de vista extremamente importante que o grupo de trabalho designado no encontro de Madrid defina uma estratégia comum e bem refletida para que a irmandade possa fazer face aos ataques injustificados que nós sofremos.