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É bem verdade que a Doutrina foi fruto de um sincretismo eclético: o xamanismo indígena vegetalista milenar da ayahuasca, o cristianismo (tanto católico quanto esotérico) e a bagagem cultural africana que o Mestre Irineu trazia consigo - por ser ele homem negro neto de escravos, maranhense, frequentador na sua adolescência dos tambores de crioula. Além desses elementos é necessário reconhecer a influência militar (disciplina, hierarquia e obediência) presente na sua constituição ritualística – o fundador chegou a cabo na antiga Guarda Territorial do Acre -.


Não obstante, ao formatar final e definitivamente os princípios e a liturgia do seu ritual, Raimundo Irineu Serra advertiu: “Estou deixando minha Doutrina pronta, ninguém invente moda, ninguém acrescente um pingo no i”. Conforme atestam vários de seus contemporâneos, alguns ainda vivos, nunca ninguém viu o Mestre se alterando ou incorporando entidades. Sua postura era sempre tranquila, e ele sempre era ele mesmo. Também dizia que na sua linha tinha de tudo, mas que se trabalhava no oculto. Ou seja, com irradiações mentais e espirituais. Dentro do eu interior de cada um, do seu grau e do seu merecimento, todos os estudos relacionados aos planos espirituais são possíveis e tangíveis, porém de forma que não se percam a consciência, a serenidade, o equilíbrio e a compostura exteriorizada.


Desta maneira, temos visto, com naturalidade, seguimentos diversos mesclando-se à prática da Doutrina: kardecismo, umbanda, candomblé, neoxamanismo, orientalismo, psicodelismo, espiritualismo new age, etc., exotericamente, na maioria das vezes numa salada indigesta para quem tem um certo padrão de qualidade no trato da pureza daquela sacralidade. Quem mistura qualquer dessas ciências na Doutrina não conhece aquelas nem esta. Vale dizer que não é vedado, de fato, absolutamente, o livre conhecer e o livre trânsito a outras religiões, cultos, ideologias e práticas. Mas cada qual no seu qual.


Fato comum em todas as religiões e correntes espiritualistas: o Mestre vivo, todos ao seu redor dentro da mesma constituição. Após sua passagem, cada discípulo com o seu dom recebe uma missão. Alguns irão preservar a tradição e a essência, em caráter onde podem chegar a ser até hermeticamente fechadas a não iniciados “ali”, outros irão expandir aquela Verdade através de alianças multiculturais (cabendo também as várias contraculturas inclusas) em um processo de adaptar-se e de se fazer concessões, em via de mão dupla, a outras visões, pensamentos e modos de agir e de praticar o serviço devocional.


Também é normal que entre os grupos surgidos dessa expansão surjam espontaneamente, lá na frente, subgrupos que queiram voltar, ir atrás da tradição “perdida” ou “esquecida”, por sentirem que falta um elo chave que dá liga e sentido: justamente a essência da linha primeira.


Para o leigo, Centros de Daime são todos uma coisa só. Mas quem procura a origem, ainda pode encontrá-la, dentro do possível, intacta, em alguns poucos Centros que zelam pela sua observância regular e que mantêm suas portas abertas a quem, de boa intenção e de bom coração, assim desejar conhecer.

 


Santa Luzia, 24 de abril de 2018.

 

Eduardo Gabrich