Ao Ilmo Sr. Relator Dr. Costa Sobrinho

 

 

Prezado Senhor:

 

A Diretoria do Centro Eclético de Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra - CEFLURIS – vem muito respeitosamente apresentar a V.Sa um conjunto de informações, fatos, documentos e depoimentos com o objetivo de contribuir para melhor compreensão da realidade atual da Doutrina do Santo Daime e, assim, esclarecer fatos e tratar de questões recentemente veiculadas na imprensa.

 

V.Sa pode avaliar o dano causado por acusações infundadas que atingem não só a nós, freqüentadores, como também nossas famílias, amigos e mesmo as relações profissionais de muitos de nós.

 

Solicitamos sua atenção para as informações contidas neste documento, ponderando que, a despeito das notícias publicadas, não recebemos formalmente nada que fundamentasse as versões divulgadas. O dossiê que ora fazemos chegar a suas mãos dá continuidade ao diálogo iniciado há alguns anos entre o CEFLURIS e o CONFEN e que pretendemos permaneça sempre amplo, aberto e construtivo.

 

O CEFLURIS reitera sua disposição de colaborar com o CONFEN e demais autoridades interessadas a fim de garantir a plena liberdade e responsabilidade das organizações usuárias do chá AYAHUASCA no tocante a suas práticas rituais.


 

 

 

SUMÁRIO

 

 

 

           I.     CEFLURIS: apresentação e objetivo da entidade

 

6

         II.     Caso da jovem Verônica Castilla Jamil

 

11

       III.     Emergência Espiritual e Saúde Mental  

 

16

      IV.     Produção e Distribuição de um Sacramento

 

23

        V.     Trabalho do CEFLURIS no exterior

 

26

      VI.     Vila Céu do Mapiá: Assentamento Comunitário e Impacto Ambiental

 

28

        VII.        Santa Maria

 

30

  VIII.     Conclusões Finais

 

32

         

 

ANEXOS A

CEFLURIS: Organização e Funcionamento

 

1.          Estatuto do CEFLURIS

2.          Certidão de Registro do Cartório do Registro Especial. Estado do Amazonas Comarca de Manaus.

3.          Ata de fundação do CEFLURIS.

4.          Extrato do Estatuto do CEFLURIS publicado no D.O. de 24/5/91

5.          Regulamento do Conselho Supremo das Igrejas.

6.          Decreto de Serviço do Mestre Raimundo Irineu Serra para o ano de 1970.

7.          Carta de princípios.

8.          7 números do COMUNIDAIME, Boletim do CEFLURIS

 

ANEXOS B

Vila do Céu do Mapiá assentamento comunitário

 

1.          Estatuto da Associação de Moradores da Vila do Céu do Mapiá.

2.          Decreto de criação da Floresta Nacional Mapiá-Inauini.

3.          Convênio entre o IBAMA e a Associação de Moradores.

4.          Convênio entre o LBA e a Associação de Moradores.

5.          Convênio entre o IPADE (Instituto de Promocion y apoyo al Desarrollo, Madrid) e a Associação de Moradores.

6.          Decreto de Utilidade pública da Associação de Moradores. Publicado no D.O. de 22/06/89.

7.               Atestado de funcionamento da Associação de Moradores para registro da entidade no Conselho Nacional de Serviço Social.

8.               Relatório de viagem do Sr. Antonio Pacaya á Floresta Nacional Mapiá-Inauini.

 

 

ANEXOS C

Documento relativos à situação de Verônica Castilla Jamil

 

1.          Termo de declaração da jovem Verônica junto à 1 Vara da Comarca de Resende em 7/11/91.

2.          Relatório de caso social da Divisão da Criança e do Adolescente da Prefeitura de Resende; de dezembro de 1991 a junho de 1993.

3.          Parecer psicológico apresentado ao Juiz de Direito da Vara de Família de Resende, 21/6/93.

4.          Requerimento de medida de proteção da Promotora de Justiça ao Juiz de Direito da 6 Vara Cível, de 10/3/94.

5.          Termo de Guarda Provisório da Juíza de Direito substituta da 6 Vara Cível, de 16/3/94.

6.          Audiência de Declaração junto à 6 Vara Cível de Rio Branco, em 8/6/94.

7.          Declaração da Promotora de Justiça junto à 6 Vara Cível de Rio Branco, de 13/10/94.

8.          Termo de Assentada do processo 2.628/94, na 6 Vara Cível de Rio Branco, de 13/10/94.

 

ANEXOS D

Saúde Mental

 

1.               Termo de responsabilidade

2.               Sugestão para o procedimento de anamnese de iniciantes.

3.               Ata do I ENCURA, de 16 de agosto de 1992.

4.               Circular 01/94 do CEFLURIS.

5.               Carta de Jambo Velozo de Freitas, de 8/04/92.

6.               Relatório do Secretário do CEFLURIS e da Associação de Moradores sobre a morte do jovem Jambo.

7.               Declaração de Roberto Rego.

8.               Declaração de Daniel Lopes Bezerra.

9.               Certidão de óbito de Jambo Velozo de Freitas.

10.           Declaração do Dr. Luciano Rodrigues de Assis.

 

ANEXOS E

A Doutrina do Santo Daime no Exterior

 

1.               Carta de Visitantes espanhóis ao CONFEN.

2.               Carta de visitantes holandeses ao presidente da CEFLURIS.

3.               Conhecimento de transporte aéreo de Santo Daime para Bélgica.

4.               Certificado fitosanitário.

5.               Estatuto do “Centre d’Étude Phyto-culturelle de la Forêt Aamazonienne”.

6.               Carta de Dr. José Rosa.

7.               Programa do II Congresso Internacional para o estudo dos estados modificados de consciência.

8.               Programa do II Congresso Internacional para o estudo dos estados modificados de consciência.

 

ANEXOS F

Depoimentos


 

I.         CEFLURIS: apresentação e objetivos da entidade

 

 

O Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra – CEFLURIS – é um centro espiritualista organizado na forma de uma sociedade civil sem fins lucrativos. Foi fundado em outubro de 1974, na cidade de Rio Branco, estado do Acre. Em maio de 1989, passou por uma ampla reformulação estatutária, quando se transformou em entidade nacional congregando filiais em várias cidades brasileiras. No presente momento, o CEFLURIS conta também com pedido de constituição de núcleos no exterior, conforme será apresentado oportunamente neste documento.

 

Os estatutos centrais do CEFLURIS juntamente com as normas complementares que regulam seu funcionamento e o dos centros filiados encontram-se no conjunto de anexos A. Nossos fundamentos doutrinários baseiam-se na revelação espiritual de dois homens: o Mestre Raimundo Irineu Serra (1892 – 1971), fundador da doutrina do Santo Daime, e o Padrinho Sebastião Mota de Melo (1920 – 1990), um dos seus mais destacados discípulos, fundador e patrono do CEFLURIS.

 

A base do nosso trabalho espiritual é o estudo da revelação dos hinários recebidos pelos mestres fundadores. Nas cerimônias cantamos e bailamos os hinos sob o efeito da miração. Chamamos de miração visões extáticas interiores, “insights”, um estado de ampliação da consciência e de grande acuidade mental que experimentamos com a ingestão ritual da bebida chamada AYAHUASCA ou Santo Daime – fruto da cocção da BANISTERIOPSIS CAAPI e da PSICOTRYA VIRIDIS.

 

No desenrolar dos hinários e nos trabalhos de concentração, entramos em contato com estes níveis de consciência que correntes da psicologia chamam de transpessoais e que nós denominamos simplesmente contatos com o mundo espiritual. Os rituais são para nós datas de festa que constam de um calendário oficial, quando o Santo Daime é distribuído na forma de sacramento e de uma eucaristia, segundo normas estritas.

 

Nosso trabalho espiritual se origina em práticas ancestrais de povos pré-colombianos, que há milênios já utilizavam as plantas psicoativas como um meio de comunicação com os deuses e os espíritos de seus antepassados. Neste século, esta antiga tradição tomou sua atual feição cristã e universal, através da revelação recebida pelo Mestre Irineu. Foi por ele que a Doutrina foi codificada e a sua essência está sintetizada nos hinários (coletânea de hinos recebidos) e no decreto de serviços (anexo A-6).

 

Conforme depreende-se de seus estatutos e ata de fundação, a principal finalidade do nosso centro é preservar e realizar os rituais, nas sessões periódicas fixadas em nosso calendário. Sempre atentos ao princípio doutrinário de não fazer convites nem proselitismo, o procedimento para receber os novatos consta ainda de uma entrevista de avaliação feita por um grupo de recepção. De acordo com as entrevistas e as vivências adquiridas nos seus primeiros trabalhos espirituais, e após um tempo de freqüência aos rituais, o neófito poderá requerer o grau de adepto, que será consagrado na solenidade de fardamento.

 

O fundador do CEFLURIS, Sebastião Mota de Melo, carinhosamente chamado de Padrinho Sebastião, era um seringueiro amazonense dotado de grande vigor profético e carisma espiritual. Nascido e criado na floresta, sempre foi uma pessoa simples, generosa e hospitaleira. Nossa organização religiosa começou, portanto, de maneira bastante informal e familiar, até ganhar os contornos jurídicos e legais de uma instituição tal como hoje se apresenta. Nos últimos anos, experimentamos um significativo crescimento e temos recebido pessoas capacitadas para dar conta do desafio do nosso processo de organização e institucionalização.

 

A história do CEFLURIS se confunde um pouco com a saga do povo do Padrinhão Sebastião. Tendo chegado, juntamente com sua família, a Rio Branco, Acre, no final dos anos 60, vindo do estado do Amazonas, Sebastião Mota de Melo participou dos trabalhos espirituais dirigidos por Mestre Irineu. Em 1971, com o falecimento do Mestre, o Padrinho desenvolveu sua liderança organizando a Colônia Cinco Mil, nos arredores de Rio Branco, na forma de comunidade. Com a expansão da cidade de Rio Branco, no decorrer dos anos 70 e a conseqüente destruição da floresta próxima à cidade, Sebastião Mota de Melo lançou o desafio de organizar a comunidade no interior da floresta. O INCRA indicou-lhe uma área O Rio do ouro, no estado do Amazonas, para sua implantação. Após dois anos de intenso trabalho e colonização da área, com a preparação de roçados e a construção de benfeitorias, surgiram pendências quanto à legalidade da posse da área oferecida pelo INCRA e o povo do Padrinho Sebastião voltou-se para a colonização de uma nova área, igualmente orientado pelos órgãos responsáveis pelo assentamento de terras da região.  É importante destacar o procedimento pacífico, ordeiro, e trabalhador deste povo, seguindo a orientação espiritual da Doutrina do Santo Daime, no sentido de evitando atritos e conflitos, criar uma comunidade solidária no interior da floresta, visando ao melhor desenvolvimento de nossa Doutrina e de nosso trabalho espiritual.

 

Hoje, a comunidade da Vila do Céu do Mapiá é um agrupamento próspero e produtivo, que reúne aproximadamente 500 pessoas nas margens do igarapé Mapiá, no município de Pauini, estado do Amazonas. A Comunidade mantém um modelo novo de colonização na região e, além de fixar e atender à população de seus diversos núcleos, assiste também à população das áreas vizinhas e recebe visitantes do Brasil e do exterior. Além da sua missão doutrinária, o CEFLURIS juntamente com a Associação dos Moradores da Vila Céu do Mapiá, presta muitos serviços sociais à população carente da Amazonas ocidental, administrando outros dois núcleos comunitários na região, a Fazenda São Sebastião, foz do igarapé, junto ao Rio Purus, e a Comunidade Gregório de Melo, na praia do Rio Purus, alguns kilometros abaixo da embocadura do Mapiá.

 

Pelo reconhecimento de sua idoneidade, propósitos ecológicos e capacidade administrativa, obteve, através de decreto presidencial, a criação das floresta nacionais do Purus e do Mapiá/Inauini (anexo B-2), e o direito de gerir projetos ambientais para a região, juntamente com o Ibama (anexo B-3).

 

Temos desenvolvido vários projetos em benefício dos moradores da área, o que já nos valeu o apoio de entidades nacionais e internacionais (anexos B-4 e 5). Os frutos do reconhecimento do nosso trabalho estão expressos nos títulos de utilidade publica de nossa matriz e filiais em seus respectivos estados (anexo B-6). No momento o CEFLURIS pleiteia seu cadastramento no Conselho Nacional de serviço Social – CNSS – (anexo B-7).

 

Com a criação da Comunidade da Vila do Céu do Mapiá, o centro de desenvolvimento da Doutrina deslocou-se para o interior da floresta e a Vila passou  a  receber visitantes interessados no conhecimento da Doutrina e da vida Comunitária. É neste movimento que podemos identificar a primeira fase de expansão da Doutrina do Santo Daime, uma vez que muitos dos visitantes pretendiam dar continuidade aos trabalhos espirituais que conheceram na floresta. Data desta época a reformulação do CEFLURIS que passou a ser a instituição responsável pela garantia de que esta expansão seria feita dentro dos mesmos princípios éticos, morais e religiosos que nos foram legados pelo Mestre Irineu e pelo Padrinho Sebastião.

 

Hoje, o CEFLURIS coordena 15 igrejas e Centros formalizados e reconhecidos, nas principais cidades do país que cumpre o calendário oficial das festividades, obedecendo às instituições e normas de rituais estabelecidas. Além disso, contamos com mais 20 Núcleos de instrução que desenvolvem seu trabalho sob a supervisão e orientação de uma igreja ou Centro já constituído.

 

Um movimento similar ao que ocorreu nos anos 80 acontece agora com relação ao interesse de estrangeiros. O Céu de Mapiá tem sido visitado por jornalistas, antropólogos, religiosos, buscadores espirituais, médicos e terapeutas de diversos países, interessados tanto na experiência comunitária inédita quanto na Doutrina do Santo Daime. A conseqüência deste movimento e o interesse pela criação de novos pontos e Centros no exterior. O CEFLURIS acompanha a organização de pequenos núcleos de adeptos em Espanha, Bélgica e Holanda, além de contar com inúmeros amigos e admiradores da Doutrina residindo nos principais países europeus. É importante frisar que, tal como nos anos 80, a expansão atual é feita segundo as mesmas normas e princípios dos fundadores da Doutrina, de tal maneira que podemos assistir, hoje, a grupos estrangeiros que cantam os hinários em português, seguindo as mesmas normas que orientam o trabalho em qualquer dos nossos Centros e Igrejas situados no Brasil. Adiante, veremos mais alguns detalhes e esclarecimentos quanto ao modo de apresentação da Doutrina em outros países.

 

O conhecimento da realidade atual do CEFLURIS contribui para compreender melhor parte dos ataques e acusações que tem sido veiculados pela imprensa. A expansão urbana da Doutrina do Santo Daime acaba por alcançar pessoas, famílias e grupos cujas vidas nas cidades passaram por complexos processos de desequilíbrio motivando tanto atitudes salvacionista extremadas como decepções em função de expectativas frustradas. A Doutrina do Santo Daime, por sua própria formulação original, recusa qualquer forma de proselitismo e é uma preocupação constante do CEFLURIS evitar que novos adeptos projetem expectativas e desejos que não atendem às nossas formulações doutrinárias, cujas base são a caridade cristã, o amor ao próximo e a integração e respeito á natureza.

 

Preocupados com as danosas conseqüências que estas denúncias trazem não só para a imagem social de nossa Doutrina, mas principalmente para a vida cotidiana de nossos adeptos e freqüentadores, passamos a responder algumas das acusações veiculadas pela imprensa, atendo-nos, em particular, às graves denúncias da Sra Alicia Castillo.


 

II.      Caso da jovem Verônica Castilla Jamil

 

 

A Sra Alicia Castilla, pelo que nos consta entregou ao CONFEN um vasto conjunto de denúncias que não chegou às nossas mãos. Este primeiro procedimento já indica uma atitude belicosa que estava de alguma forma anunciada na história penosa da relação desta Sra. com sua filha, a jovem Verônica. O significado destas acusações pode ser melhor compreendido se contextualizarmos os fatos documentados no conjunto de anexo C. Solicitamos a leitura dos comoventes depoimentos em parte transcritos a seguir.

 

Ao contrário do que afirma a denunciante, nossa conduta sempre se pautou pela estrita observância da lei em todos os aspectos de nossas práticas rituais e, no que diz respeito às tumultuadas relações entre a denunciante e sua filha, nosso papel foi o de buscar promover um ambiente de harmonia e paz entre ambas. Inicialmente, é importante lembrar que foi a própria mãe quem levou Verônica para nossa comunidade e nos entregou o caso conforme atesta o depoimento da própria menor que diz que “foi levada por sua mãe para a comunidade, lá se sentido muito bem, até feliz, encontrando enfim uma família”. A situação complicou-se quando a Sra. Alicia mudou de idéia e resolveu impedir de todos os meios a convivência de sua filha conosco conforme atestam várias passagens do processo do qual passamos a citar apenas trechos mais significativos. “a mãe de Verônica também diz não poder mais conviver com a filha e pede insistentemente que a mesma seja internada para tratamento psiquiátrico.”... ”Verônica também nos contou que a sua mãe ameaçou-a dizendo que mandaria dar uma surra nela no caminho da escola.” . “Que a sua mãe a deixou sem comida e bebida, sem água dentro da casa para qualquer necessidade e que nas últimas noites Alicia entrava em casa e se trancava à chave evitando a própria filha.”... Que houve um tempo em que a mãe era proprietária de uma cervejaria onde, na divisória de uma sala para outra, estava escrito: calma=duas garrafas; desculpa=cinco garrafas; chorar pelos próprios erros=doze garrafas. Que isso significava se a filha pedisse desculpa, a mãe quebraria cinco garrafas nos seus pés; se dissesse ‘calma mãe’ eram quebradas duas garrafas e se chorasse pelos próprios erros a mãe quebrava doze garrafas nos pés da filha, chegando as vezes a machucá-la.”...Que Verônica e sua mãe não se entendiam, brigavam muito, chegando a agressões físicas; que sua mãe chegou a por fogo no seu colchão com álcool, dizendo que iria por fogo na casa e impedindo a declarante de passar; que impurrou-a impedindo-a de apagar o fogo.”

 

Além dessas atitudes desumanas contra a própria filha, a Sra. Alicia sempre demonstrou uma conduta que consternou os membros do Conselho Tutelar da cidade de Resende, conforme depoimento das assistentes sociais que acompanharam o caso “Alicia a todo momento impedia a filha de se manifestar na reunião do conselho e se dirigia a ela com estupidez”... “Que Alicia persegue os profissionais da área psico social exigindo tratamento psicoterápico para sua filha e para ela, demonstrando urgência em diagnosticar a sua filha.”... “Foi possível observar que a mãe perdeu todo equilíbrio emocional se dirigindo a filha com estupidez e agressividade chegando a expulsá-la da sala juntamente com a assistente social presente.”... “A senhora Alicia queria garantia que se algo acontecesse a sua filha ela não seria responsabilizada, inclusive disse querer abrir um processo contra a assistente social Beatriz por não estar acompanhando o caso como ela acha que deveria ser feito.”... “A senhora Alicia telefonou ao CT dizendo que queria processar a senhora Sueli Vilela, diretora da secretaria de educação do município de Resende pelo fato da senhora citada ter dado abrigo à Verônica durante uma noite.”... . “E a senhora Alicia sempre muito nervosa a todo momento queria responsabilizar alguém se algo ocorresse com a sua filha. Ameaçou inclusive de levar a polícia até o bairro Jardim das Rosas onde Verônica se encontrava.”... “A mãe de Verônica também diz não poder mais conviver com a filha e pede insistentemente que a mesma seja internada se preciso for para fazer um tratamento psiquiátrico. De forma obsessiva diz que a filha precisa se tratar, que ela também aceita fazer um tratamento de terapia familiar junto à Verônica.”

 

O que na verdade terminou não acontecendo, conforme informação do psicoterapeuta indicado para o caso. Ele relata que “devido a forte pressão emocional a que estava submetida Verônica, foi pedido acompanhamento psicológico com o objetivo de aproximar mãe e filha. Esse processo porém foi interrompido quando a mãe afastou-se do tratamento por se encontrar novamente de relações cortadas com a filha.”

 

Todos esses fatos foram acompanhados por muitas pessoas que testemunharam no processo. Ressaltamos dentre elas o depoimento do coronel Theon Mendes, vizinho da Sra. Alicia e que sensibilizado por muitos fatos que presenciou abrigou Verônica nas várias vezes que ela faminta e sedenta foi se refugiar em sua casa.

 

O depoimento do coronel também é importante para mostrar a delicadeza da nossa situação: “a comunidade do Santo Daime tirou em consenso que não pode aceitar em seu meio nem Verônica (até os dezoito anos) e nem sua mãe; a primeira porque ela como menor pode passar uma imagem para a sociedade que a Comunidade do Santo Daime pratica o aliciamento de menores e da mãe porque esta vem difamando a seita”. Esta mesma fonte informa. “que foi a própria Alicia que levou Verônica para o Daime e que ela, Alicia, sempre gostou do Daime.”

 

Tudo isso prova que o caso poderia ter o melhor dos desfechos possíveis se a Sra. Alicia não criasse tantos conflitos e ameaças tanto conosco como com o Congresso Tutelar. A melhor prova disso é despacho da própria promotora que solicitou fosse retirada da Sra. Alicia a guarda de sua filha: “A adolescente tem direito à convivência familiar, ainda que através da família substituta, não havendo prova alguma que desabone a conduta do guardião atual da mesma, tão pouco contra a seita denominada Santo Daime que funciona legalmente neste estado.”

 

Por todos estes motivos que se tornaram bastantes claros no processo, a Sra. Alicia terminou perdendo a guarda da filha conforme o parecer da procuradora onde se lê: “Outrossim a leitura dos autos demonstra que a adolescente tem verdadeiro pavor da mãe e desde o ano de 1991, vem passando por casas de abrigo e famílias substitutas, o que demonstra graves descumprimentos dos deveres e obrigações que trata o artigo 22 do ECA, por parte dos genitores, o que poderia ensejar a propositura de ação de perda de pátrio poder sobre os mesmos”.

 

Foi isso que a justiça determinou como atesta a decisão da Sexta Vara Civil da Comarca de Rio Branco onde o caso foi decidido depois de tramitar na justiça de Rezende. Foi a partir de então que a Sra. Alicia passou a nos considerar culpados pela perda da guarda de sua filha, iniciando sua campanha de calúnias e acusações.

 

É difícil conceber que nobres sentimentos e desejos altruístas presidam as atitudes da referida senhora contra o Santo Daime e o CEFLURIS. Sua alegação de estar preocupada com os efeitos dessa bebida em sua filha é desmentida pela sua participação ao longo de muitos anos, nos nossos rituais. Mesmo que em tese a Sra. Alicia considerasse que Verônica tivesse sido vítima de uma lavagem cerebral que intenções teria uma mãe para requerer a guarda perdida sobre sua filha para interná-la numa instituição para desequilibrados e drogados? Esse fato faz parte também do parecer da promotora, já citado anteriormente, onde ela afirma: “na petição de folha 5, a genitora (de Verônica) pede a busca e a apreensão da adolescente para que esta seja colocada em uma instituição denominada Clinica vila Serena, e não reclama a vinda da filha para a sua companhia, o que causa estranheza”.

 

Como se não bastasse tudo isso a Sra. Alicia ainda visa publicidade e autopromoção às custas do sensacionalismo de suas denúncias, para publicar um livro, o que expõe ainda mais a sua filha e a privacidade de sua vida a uma situação traumatizante e vexatória.

 

Outro fato significativo dentro desse mesmo contexto é o esbanjamento nos gastos com passagens aéreas, hotéis e contas telefônicas que a Sra. Alicia tem feito, apesar de pedir sempre no processo justiça gratuita e defensor público, alegando falta de recursos. Quanto às outras questões levantadas pela acusação, passamos a comentá-las a fim de manter o COFEN informado sobre a realidade atual da doutrina do Santo Daime.

 


III.         Emergência Espiritual e Saúde Mental

 

 

A existência de denúncias contra uma Doutrina Espiritual – e denúncias do teor das que estamos observando – traz à tona o contexto social em que novos modos de compreensão da vida, oriundo da experiência espiritual e religiosa, conflitam-se com situações familiares e grupais conformadas pelos distúrbios psico-sociais freqüentes nas grandes cidades. Este tema já era objeto de nossas preocupações, desde as reuniões com as primeiras comissões de estudo que visitaram a nossa comunidade em 1982. Sempre compreendemos que a adoção de práticas rituais e valores espirituais de nossa Doutrina, nas grandes cidades atendia a expressivos anseios de uma nova espiritualidade viva e concreta e, por isso mesmo, produziria transformações significativas em todos aqueles que verdadeiramente buscam o caminho espiritual.

 

Nas grandes cidades entramos em contato com todos os problemas que proliferam nesse ambiente social: drogas, delinqüências, menores abandonados, desajustes familiares e outros processos decorrentes da degradação dos padrões de vida e convivência motivados por complexos fenômenos sócio-econômicos. O crescimento de nossa Doutrina e o sentido cristão da caridade por nós praticado nos obrigaram a lidar com todos esses problemas à medida em foram se apresentando. Este trabalho de caridade trouxe-nos inúmeros casos em que podemos constatar depoimentos comoventes sobre benefícios e curas obtidas (ver conjunto de anexos F).

 

O princípio ético e doutrinário de proibir todas as formas de proselitismo decorre da compreensão de que o caminho espiritual é uma escolha e uma eleição íntima por parte daquele que busca. O ato da escolha e eleição pressupõe uma vontade necessária para sustentar a busca espiritual. È este ato que confere valor e coerência ao aprendizado espiritual. Na escola espiritual não é possível ensinar, mas é possível aprender pois somente a força de vontade daquele que busca leva às transformações procuradas (ver decreto do mestre).

 

A longa investigação, levada a cabo pelo próprio CONFEN em sucessivas comissões de estudo, mostra que a ingestão do Santo Daime dentro do contexto de seu uso ritual não causa transtornos físicos ou psíquicos em seus usários, tendo inclusive registrado significativos casos de abandono do uso de drogas além de outros benefícios que poderíamos sumarizar como “curas espirituais”. O termo cura que aparece constantemente em nossos hinários e na orientação de nossos trabalhos espirituais, significa uma transformação de atitude, despertando no indivíduo níveis mais elevados de auto-estima, harmonização familiar, compreensão do próximo e práticas caritativas. Seguramente estes fatos estão fartamente documentados, inclusive nos estudos realizados pelo CONFEN.

 

O caráter não proselitista de nossa Doutrina não nos impede de reconhecer a existência de seu uso terapêutico para casos de drogadição, alcoolismo e outros processos degenerativos, fato constatado por diversos especialistas e testemunhado em depoimentos, alguns deles anexos a este documento (conjunto de anexo F).

 

O conceito de “emergência espiritual” pode nos ajudar a compreender alguns processos de alteração de consciência – não exclusivos de nossa doutrina - onde a transformação pessoal ocorre em meio a dificuldades emocionais. O conceito tem dois sentidos complementares: como necessidade urgente, designa a ansiedade por parte do indivíduo de proceder uma transformação espiritual e psicológica, como afloramento espiritual, designa o aparecimento de níveis de consciência transpessoais em indivíduo que, por vezes de forma dolorosa, buscam o contato com o próprio ser. Esta busca exige um conjunto de atitudes próprias da caminhada espiritual, entre elas humildade, a paciência e a perseverança. Em um trabalho de autoconhecimento, pode ocorrer o que denominamos passagem espiritual – momentos ou circunstância nos quais o indivíduo percebe que a complexidade de seu ser está em processo de intensa transformação. Uma leitura apressada pode confundir estas passagens com um estado psicopatológico.

 

A expansão da consciência propiciada pelo uso ritual do Santo Daime favorece a transformação dos indivíduos ainda que, circunstancialmente, esta transformação, por sua importância, lhes seja dolorosa. É neste momento que o ambiente religioso, a prática caritativa e o apoio da irmandade podem transformar a dor em alegria, pela aquisição de um novo conhecimento sobre si mesmo e sobre o próximo.

 

Porém, ainda que saibamos como lidar com essas circunstância de transformação, não é possível prever e prevenir todos os casos em que o iniciado não disponha de uma estrutura psicológica e familiar que lhe dê sustentação, auto-estima e confiança suficiente para atravessar o momento delicado. Esta visão nos ajuda a compreender tantos casos ambíguos que tem vindo à tona, seja nos consultórios psiquiátricos, nos hospícios, nos terreiros de umbanda, nas mesquitas, paróquias ou nas nossas sessões com o Santo Daime onde indivíduos chegam a situações-limite.

 

A constatação da seriedade desse estudo espiritual nos tem levado a procurar condições de acompanhamento destas emergências espirituais. A primeira delas é a prevenção de riscos através da avaliação rigorosa da situação de cada um que busca a Doutrina. Outra forma que temos desenvolvido é procurar a melhor capacitação de nossos Centros e Igrejas para assumir nosso dever cristão de atender a quem precisa, dentro de nossas possibilidades.

 

Alguns casos infelizmente ocorridos em nossa Doutrina têm sido usados contra nós, em desrespeito aos indivíduos que sofreram, desconhecendo os fatos que provam nosso constante cuidado com todos os irmãos que necessitam de ajuda. Uma das peças de acusação da Sr. Alicia é justamente a carta do Dr. Carlos Renault, dirigida ao atual líder do CEFLURIS, quando ele expõe suas ponderações para nossa reflexão e tomadas de medidas cabíveis. A carta, ao contrário do que pretende a acusação, demonstra a seriedade e a franqueza com que sempre temos tratado assuntos desta gravidade. Além disso, em nossas resoluções e orientações resultantes dos Encontros anuais realizados pelos nossos profissionais na área de saúde (anexo D-3), podemos observar os mesmos cuidados e preocupações. Já temos adotado uma série de medidas de caráter preventivo como a anamnese e termo de responsabilidade na recepção de novatos e visitantes.

 

Passamos a relatar brevemente alguns casos citados pela imprensa e que constam das denúncias da Sra. Alicia.

 

a) Jambo Veloso de Freitas.

 

O jovem Jambo Veloso de Freitas foi trazido pela mãe a nossa comunidade em Visconde de Mauá, RJ, como último recurso para recuperação de um quadro vital bastante grave, filho de pai alcoólatra e esquizofrênico crônico, já aos dezesseis anos Jambo era viciado em cocaína e servia de “avião” na rota Porto Seguro/Arraial d’Ajuda no litoral da Bahia. Quando chegou à nossa comunidade, Jambo demonstrou grande força de vontade, abandonando o vício. Graças a isso, e aos apelos da mãe para que continuasse em nosso convívio, Jambo foi aceito como morador, passando a trabalhar como aprendiz de marceneiro. Apesar da evidente melhora, Jambo era uma pessoa solitária, introvertida e ressentida pela falta de apoio de sua família, conforme pode se ver na carta de próprio punho escrita para a mãe (anexos D-5 a D-9).

 

Um ano e meio após o seu convívio em nossa comunidade, Jambo voltou a apresentar condutas bizarras que despertaram a atenção de todos que lhe eram mais próximos. Apesar do amparo e carinho com que sempre o tratamos, saiu intempestivamente da comunidade da Mauá com a intenção de ir para a Amazônia. Entramos em contato com a família de Jambo desaconselhando a viagem e alertando para a urgência de uma assistência terapêutica especializada para o rapaz. Mesmo assim a mãe e o padrasto incentivaram sua viagem, conforme pode ser visto na carta da mãe de jambo para a sua madrinha que estava na época na comunidade Céu do Mapiá, recomendando-lhe o filho “apesar da posição contrária dos representantes da comunidade”. Nesta carta podemos constatar também o afeto e a confiança que sua mãe depositava na comunidade. Tendo chegado ao seu destino, e sem que houvesse tempo para tomar as providências com a família visando o retorno do jovem aconteceu o trágico desfecho. A mãe e o padrasto de Jambo passaram então a nos acusar, transferindo-nos a responsabilidade de sua omissão e negligência em aceitar nossas orientações. Foi feita uma denúncia ao ministério público e o caso foi esclarecido pela delegacia de Pauini.

 

b) Referente a Chantal Marie Nicole Jeudi de Grissac (Sophie)

 

Sophie era uma jovem mulher de nacionalidade francesa que viajava sistematicamente ao exterior como guia turístico. Na volta de uma de suas viagens, começou a apresentar um quadro depressivo que agravou-se rapidamente. Foi atendida terapeuticamente, retornando ao seu país, de onde meses depois recebemos a noticia de seu suicídio. Mantivemos contato com sua família e através do Consulado da França remetemos seus pertences atendendo a solicitação familiar.

 

c) Referente a Silvio Pierotti.

 

Silvio é um jovem músico que, em dezembro de 1983, foi a Rio Branco, no Acre. Já tinha história psiquiátrica em sua adolescência. Além de freqüentar a Colônia Cinco Mil, juntou-se a outros grupos, fazendo uso de várias drogas e apresentou surto esquizofrênico. O caso foi entregue ao Dr. Joaquim Carvalho, diretor do hospital psiquiátrico que o atendeu e medicou. Depois de responder positivamente à medicação prescrita, voltou a São Paulo na companhia da família onde ainda hoje freqüenta um Centro local do Santo Daime e mantém fraternas relações conosco.

 

d) Referente a Raimundo Nonato Teixeira de Souza

 

Trata-se de um caso completamente distinto dos anteriores, ocorrido há quase vinte anos. Raimundo Nonato, atual dirigente da Colônia Cinco Mil, foi indiciado num processo de crime passional contra o indivíduo que, explorando a boa fé do povo da Colônia, abusou e molestou sexualmente inúmeras mulheres, inclusive menores. O tribunal absolveu Nonato e os demais réus.

 

e) Referente á Cecília Hester Buíra

 

Natural da Argentina, portadora do HIV soropositivo sintomática, carente de recursos familiares e sociais, Cecília buscou abrigo na Comunidade, onde viveu completamente integrada a nossa vida cotidiana. Ao contrario de “a abandonarmos” como diz a denunciante, prestamos a Cecília total assistência, além de apoio material e espiritual nos dois anos em que conviveu conosco na comunidade da Mauá, com sua saúde já bastante comprometida. Quando Cecília já estava em fase terminal cumprindo sua vontade, conseguimos através do Dr. Luciano sua internação no Hospital Emílio Ribas em São Paulo, onde veio a falecer.

 

É importante destacar que durante estes últimos anos atendemos a muitos doentes desenganados, aidéticos, cancerosos e paciente terminais. Muitos depoimentos comoventes podem atestar nossos esforços e dedicação.

 

Seguramente a questão da saúde mental é um dos mais sérios problemas da nossa sociedade atual. Em qualquer grupo social expressivo sempre ocorrem fatos como os que ocorreram entre nós. Nesta mesma época, tomamos conhecimento pela imprensa de dois casos de suicídio de jovens: um no colégio militar por causa de um trote e outro no colégio Santo Inácio /RJ depois do jovem tomar ciência de que havia sido reprovado. Pessoas de todos os níveis sociais e crenças religiosas são vítimas de acidentes, se suicidam ou podem cometer crimes a despeito do uso de remédios, camisa de força, prisões ou a vigilância de acompanhantes psiquiátricos. Não se pode, portanto, querer imputar ao CEFLURIS ou a Doutrina, a responsabilidade por esses lamentáveis fatos. É injusto destacá-los de modo sensacionalista dentre os inúmeros casos de benefícios que o nosso trabalho já propiciou. Sem dúvida nos tempos atuais, praticar a caridade se tornou um empreendimento de alto risco. Ao mesmo tempo em que nossa Doutrina tem o firme preceito de não convidar ninguém e de não permitir nenhuma prática curandeirista, temos a obrigação espiritual de atender a todos os que nos procuram. Por isso temos feito e continuaremos a fazer os melhores esforços para cumprir nossas finalidades espirituais e caritativas dentro dos limites de nossas possibilidades.


IV.          Produção e Distribuição de um Sacramento

 

 

Para nós o Santo Daime é um sacramento. Seu preparo é realizado em um ritual denominado Feitio, um dos mais solenes e importantes momentos do nosso trabalho espiritual. Segundo nossa crença no Daime está um Ser Divino e sua manifestação depende do veículo material, que é a própria bebida elaborada no processo do Feitio. Processo de abnegação, concentração espiritual, solidariedade, esforço físico e energia mental que se somam. O resultado gerado pela união de todos os seus participantes é o Santo Daime, o veículo material.

 

O dinheiro faz parte da energia material empregada na produção que envolve muitos outros aspectos. Ninguém pode ter a pretensão de produzir e mensurar um Ser Divino. Já que como vimos só pela graça é que podemos percebé-lo. E se de graça o recebemos, de graça somos abrigados a dá-lo. Contudo, os processos de pesquisa, colheita, produção, transporte, distribuição, reflorestamento e replantios sem dúvida envolvem muitos custos. Com o objetivo de fazer frente a estes custos as filiais enviam donativos que cobrem os gastos operacionais de produção, transporte e reflorestamento relativos à nossa bebida sacramental.

 

Quando nos referimos aos custos do Santo Daime falamos portanto estritamente dos seus custos operacionais, o que implica ter durante o ano inteiro uma equipe de homens pesquisando na selva; roçados para manter suas famílias; ranchos e combustíveis para as expedições; viaturas terrestre, canoas, lanchas e motores, manutenção e reposição de equipamentos; encargos sociais e remuneração de parte da mão de obra, investimentos em replantios, irrigação, instalação de casas e fornalhas apropriadas para o Feitio. Conforme pode se ver, o processo implica grandes e variados desafios. A coordenação de todo esse processo produtivo está diretamente ligada à presidência o CEFLURIS e tem na equipe do projeto Daime Eterno seu braço executivo.

 

Portanto, quando estabelecemos um valor por litro de bebida/veículo, isso não é o preço de uma mercadoria e sim uma referência para o custo operacional de algo que na verdade não tem preço: o Santo Daime não pode ser vendido. Sabemos, por experiência, o que custa cada Feitio e, dependendo do volume do material empregado, a quantidade do produto a ser obtida. O custo unitário apenas facilita o cálculo para que os Centros filiados arrecadem os donativos necessários para cobrir seu abastecimento periódico. Cada Centro faz seus esforços para repor a parte que lhe cabe no custo total da produção. A Secretaria Nacional do CEFLURIS faz a distribuição para os diversos núcleos, exigindo para isso uma série de procedimentos rigorosos. A captação de recursos para produção de nosso sacramento e feita através de donativos que são alocados diretamente nesse setor sem que se tenha como objetivo aferir lucros de qualquer espécie.

 

O CEFLURIS conta com contribuições voluntárias e mensalidades sociais, além dos recursos destinados exclusivamente para a produção do Santo Daime. A Associação de Moradores da Vila do Céu do Mapiá conta com a colaboração de visitantes desenvolve campanhas e recebe donativos que são aplicados em obras de interesse dos moradores. Atualmente, temos em andamento a construção do templo, várias casas de moradia, açude, e estamos em busca de recursos para obras de saneamento básico, captação de água, manutenção de caminhos e varadouros, formação de campos para pastagens, limpeza de igarapé, etc.

 

O povo do Santo Daime é nativo da floresta e a adota como terra natal. Trabalhadores e ordeiros buscam aliar-se à natureza para extraírem em equilíbrio com o meio ambiente a produção agrícola necessária para alimentação de cerca de setecentos habitantes da Vila Céu do Mapiá e núcleos comunitários próximos. Esta ação também beneficia muitos moradores ribeirinhos do igarapé. Nossa produção de arroz, feijão, macaxeira, milho, frutas, etc.,supre uma boa parte de nossas necessidades e estamos incentivando projetos na área extrativista, beneficiamento de frutas tropicais e pesquisando a produção de espécies comestíveis e leguminosas para o melhor manejo e enriquecimento do solo.

 

A expansão da Doutrina, o afluxo de visitantes, o crescimento de número de habitantes na Vila trouxeram como um fato novo o uso regular do dinheiro como equivalente de troca e a absorção de alguns valores da economia de mercado. No entanto, as práticas sócio-econômicas de nossa vila permanecem sendo aquelas da economia informal e solidária, marca da tradicional estrutura comunitária de trabalho e consumo. A Associação de moradores mantém um sistema de mutirão semanal para obras e serviços de interesse comunitário e incentiva a geração de oportunidades econômicas e de ocupação da mão de obra. Há diversas frentes e setores de trabalho, tais como manutenção de motores, fretes, comércio de mercadorias através do armazém, atividades extrativistas e agrícolas, carpintaria e serraria, construção civil, alem de prestação de serviços na parte escritório e atendimento medico e odontológico.

 

O CEFLURIS coordena, portanto, um trabalho complexo que visa criar as condições necessárias para a produção e manutenção de nossa Doutrina respeitando os princípios doutrinários, zelando pela correta preparação e utilização de nosso sacramento e visando o bem estar, a paz e a tranqüilidade de todo o nosso povo.


V.             Trabalho do CEFLURIS no Exterior

 

 

A divulgação internacional da Doutrina do Santo Daime através de matérias e reportagens publicadas em revistas e jornais estrangeiros tem motivado a vinda de inúmeros visitantes. Principalmente nos últimos três anos, através de adeptos oriundos de outros países, o CEFLURIS tem sido solicitado a realizar trabalhos rituais no exterior. Atendendo a esses convites, comitivas da diretoria do CEFLURIS, incluindo músicos e corpo de canto, realizaram alguns trabalhos e iniciaram a organização de núcleos de adeptos residentes no exterior. Encontra-se em estudo a constituição e o registro de filiais internacionais do CEFLURIS, de acordo com a legislação de cada país. Alem de seus objetivos doutrinários e espirituais, esses núcleos estão interessados em organizar fundações para promover o desenvolvimento do povo da floresta e a preservação da Amazônia. Os responsáveis por estes núcleos em formação são pessoas idôneas e responsáveis e estão procurando realizar esta meta com todo o cuidado que o assunto exige. A esse respeito pode ser consultada a documentação anexa dos dirigentes destes trabalhos na Espanha e na Holanda (anexos E-1, E-2 E-5)

 

Quanto à ocorrência de trabalhos com o Santo Daime no exterior associados com workshops e atividades similares, como noticiou a revista alemã der Spiegel, o CEFLURIS afirma que a realização de tais eventos não é de sua responsabilidade. O CEFLURIS desenvolve no exterior apenas trabalhos rituais e doutrinários a partir de seus núcleos de adeptos. Há muito sensacionalismo em publicações deste tipo. Alias, não é essa a primeira vez que a revista alemã publica notícias caluniosas. Há cerca de três anos, a mesma revista estampou uma denúncia de que havia uma devastação ecológica em nossa comunidade, o que foi contundentemente desmentido por relatório do Ibama. (anexo B-8).

 

Para os trabalhos que são realizados no exterior, o Santo Daime é expedido mediante procedimentos alfandegários de rotina, sem valor comercial, classificado como extrato vegetal e acompanhado do atestado fitosanitário do Ministério da Agricultura. Ver a título de exemplo, documentação de envio de Santo Daime para o Centre d’Éude Phytoculturel de la Forêt Amazonienne, situada em Bruxelas, na Bélgica (anexos E-3, E-4 e E-5).

 

Organizamos também visitas de grupos do exterior para nossas comunidades, notadamente naquelas localizadas em Visconde de Mauá (RJ) e no Céu do Mapiá (AM). No Mapiá os visitantes ficam integrados nas casas da comunidade, participando do seu dia-a-dia. Em Mauá existe uma pousada e um galpão de trabalho onde são realizados cursos, palestras, vivências de finais de semana e maratonas por profissionais devidamente capacitados. Esses trabalhos profissionais geram renda para a comunidade e dentro deles não se faz uso do Santo Daime que somente é ministrado dentro do contexto ritual e religioso que lhe é próprio. As denúncias veiculadas recentemente de uso inadequado do Santo Daime e da cobrança de preços astronômicos por essas visitas foram refutadas, como atesta a carta enviada por treze participantes de um grupo de trabalho e recentemente publicada no Jornal do Brasil (anexo E-6). Também a esse respeito ver carta do Dr. José Rosa, responsável pela vinda desses grupos a nossa comunidade de Mauá (anexo E-7).

 

Acreditamos que o interesse pela Doutrina do Santo Daime e sua pratica comunitária tende a aumentar, motivo pelo qual o CEFLURIS tem buscado formalizar os procedimentos necessários para que esta expansão seja feita dentro dos rigorosos critérios éticos, morais e espirituais que regem nossa Doutrina.


VI.          Vila Céu do Mapiá: Assentamento Comunitário e Impacto Ambiental

 

 

Com relação à questão ambiental, estamos bastante tranqüilo com o resultados obtidos. Nosso histórico de ocupação e assentamento sempre teve como meta à integração com e a preservação da floresta. Deste as primeiras expedições de estudo, nossa comunidade no seringal Rio do Ouro foi reconhecida pelas autoridades militares e pelo INCRA como um novo modelo de ocupação que respeita a integridade da floresta. Mais do que uma preocupação ecológica, essa integração é um dos fundamentos espirituais da Doutrina, que crê no acesso ao Divino através do mundo vegetal, do qual a floresta é o mais perfeito cenário.

 

Em 1979, o Padrinho Sebastião recebeu um chamado espiritual para deslocar o seu povo para o interior da floresta. Depois de abrir, ocupar e beneficiar por mais de dois anos o Rio do Ouro, nosso primeiro assentamento agro-florestal, tivemos que abandonar todas as benfeitorias realizadas, em função de pendências relativas a posse da terra. Por nova indicação do INCRA, em 1983 ocupamos os altos do igarapé Mapiá. Por termos metas de ocupação diferentes daquelas tradicionalmente adotadas na região, ao invés da simples titulação da terra no sistema de um lote para cada família, solicitamos a demarcação da floresta nacional, conforme documentos já citados.

 

Nossa comunidade trabalhou nos primeiros anos de existência com o extrativismo da borracha. Praticamos agricultura de subsistência e de troca e, nos últimos anos diversificamos nossas atividades sempre de acordo com os recursos da nossa irmandade.

 

Nossa prática preservacionista foi reconhecida, mesmo quando fomos alvos de denúncias infundadas da revista Der Spiegel, que nos acusou de charlatanismo ecológico. Alertado pela matéria, o Ibama realizou uma inspeção rigorosa. Foram feitos levantamentos aerofotogramétricos e estudos de campo liderados pelo atual e então superintendente do Ibama do Rio Branco, Sr. Antonio Pacaya. O relatório dessa inspeção rebateu de forma insofismável as calúnias publicadas, mostrando que o índice de desmatamento por nós praticado durante o tempo de ocupação da área foi de 0,66% da área da floresta nacional – índice várias vezes inferior aquele a que teríamos direito pelos padrões aprovados pelo INCRA (anexo B-8).

 

Novos boatos e denúncias igualmente infundadas motivaram outra visita de uma equipe do Ibama, desta vez chefiada pelo Dr. Wilson, em novembro de 1993, e que atualizou e confirmou dados do Relatório Pacaya.

 

Temos a certeza de estarmos no caminho certo para melhorar a qualidade de vida do nosso povo, mantendo íntima relação com a preservação do nosso ecossistema. Grandes são os desafios para a sobrevivência do nosso povo, longas distâncias, carências sociais e doenças que infestam a área como a malária, hepatite d e c, leishmaniose, etc. Apesar disso, podemos apresentar índices de saúde – natalidade e mortalidade infantil, controle de surtos epidêmicos, prevenção de acidentes de trabalho e níveis de nutrição – de qualidade superior aos encontrados habitualmente na região.


VII.       Santa Maria

 

 

A acusações do uso ritual Cannabis Sativa é um assunto que vem causando, há tempos, incompreensões e mal-entendidos. Nosso fundador, Sebastião Mota, teve sonhos premonitórios que falavam sobre a chegada de uma planta que deveria ser utilizada para fins espirituais. A planta lhe era entregue no sonho pelas mãos de um anjo. Deste fato ele nunca fez segredo e deu depoimento em audiência na justiça de como recebeu essa revelação espiritual.

 

Sebastião Mota conheceu o uso da Cannabis através de pessoas que se radicaram na Colônia Cinco Mil e nela reconheceu a planta que lhe fora revelada em sonho. Com um grupo reduzido de pessoas estudou seu uso espiritual e passou a chamá-la Santa Maria. Conheceu seu uso terapêutico nas formas de chá para insônia e crises nervosas, cigarros e inalações para o tratamento de asma e bronquite, cinza para cicatrização de feridas e perebas brabas, purgativos, defumações e outras utilidades.

 

Assim, Sebastião Mota desenvolveu reservadamente seus estudos até que tomou conhecimento da prescrição legal que havia contra o plantio e o uso do Cannabis. Isso lhe custou muitos dissabores e um processo na Justiça. Apesar do respeito com que consagrava Santa Maria, nunca desejou desobedecer à lei, motivo pelo qual jamais autorizou seu uso nos diversos Centro que na época começavam a ser abertos no sul do país.

 

Para Sebastião Mota, o uso sagrado e medicinal desta e de outras plantas fazia parte dos segredos e recursos para a sobrevivência do homem espiritual dentro da floresta, cultivando tradições que remontam a origem culturais e religiosas da nossa América pré-colombiana.

 

A questão do uso da Santa Maria foi pesquisada e analisada em 1982, na Comissão Interdisciplinar presidida pelo coronel Guarino, comandante do 4º BEC, que visitou nosso assentamento no Rio do Ouro, Em 1984, outra comissão desta vez comandada pelo coronel Athos, novo comandante militar da área, visitou o Céu do Mapiá. Mais recentemente, nos anos de 1985 a 1986, o tema voltou a ser tratado nos estudos de campo sobre o Santo Daime promovido pelo CONFEN. O CEFLURIS não autoriza o uso da planta nos trabalhos realizados sob sua orientação. Mais recentemente em 1982, endossamos a Carta de Princípios das entidades usuárias do chá AYAHUASCA, onde todos os signatários se comprometeram a não fazer uso, em seus rituais, de nenhuma substância prescrita por lei. Nossas cerimônias são públicas e todos podem constatar o que lá acontece. Além do mais nossa prática é ajudar as pessoas a se libertarem da dependências de drogas, conforme atesta os depoimentos: (conjuntos de anexos F).

 

O interesse pela utilização de plantas dotadas da capacidade de alterar a percepção humana tem crescido muito nos últimos anos, em diferentes setores culturais, notadamente no meio científico e acadêmico. Congressos Internacionais como o que ocorreu recentemente na Espanha, atestam que este interesse criou um novo campo de investigação científica onde se procura avaliar a natureza de conhecimento adquirido mediante estas alterações (anexo E-8). Existem vários paralelos e pontos de convergência entre as tradições xamânicas que tem plantas sagradas em sua cosmovisão e práticas atuais cotidiana. Sebastião Mota é um perfeito expoente dessa tradição cultural e religiosa. Estudou muitas dessas plantas e delas soube tirar muitos proveito espiritual. O uso das plantas enteógenas é uma tema instigante para o estudo da consciência humana. Não se restringe ao Santo Daime, uma vez que existe Centros institucionalizados trabalhando com peyote nos Estados Unidos, com Cannabis na Jamaica, com cogumelos psilosibicos no México, e com a Iboga no Sudão e países da África Central.


VIII.    Conclusões Finais

 

 

O relato que apresentamos tem por objetivo mostrar a realidade atual da Doutrina do Santo Daime e, desta forma, apontar a improcedência das acusações que foram lançadas contra nós. Acreditamos que após o lamentável fato de a Sra. Allicia Castillo ter perdido por decisão judicial, a guarda de sua filha, ela de alguma maneira quis responsabilizar o CEFLURIS e a Doutrina de Daime por este e outros acontecimentos. Reuniu um conjunto de informações truncadas, criou versões distorcidas para fatos dolorosos e lançou suspeitas sobre a seriedade com que conduzimos nossa instituição, o CEFLURIS.

 

Fornecemos informações consistentes sobre nossa organização, objetivos e funcionamento administrativo, apresentando documentos que comprovam o zelo com que tratamos todos os assuntos relativos à nossa Doutrina.

 

Reafirmamos, deste modo, nossa disposição de manter um diálogo com as autoridades públicas, a fim de que nosso desenvolvimento institucional se dê sempre dentro da correta ordenação jurídica e sob o amparo das leis. Esta foi a vontade expressa pelo fundador Sr. Sebastião Mota de Melo e reafirmada por seu sucessor e atual presidente do CEFLURIS, Sr. Alfredo Gregório de Melo, e por toda a Diretoria.

 

Estamos prontos para colaborar e nos colocamos à disposição desse Conselho para o que fizer necessário. Somos cientes de que o uso ritual de plantas enteógenas envolve aspectos filosóficos, políticos, jurídicos, sociais, culturais e religiosos. A garantia de nossa liberdade e responsabilidade no uso do Santo Daime depende de compreensão da complexidade deste fenômeno e do reconhecimento de que estão sendo realizados os melhores esforços para preservar a identidade cultural e espiritual de nossa Doutrina.

 

Reafirmamos também nossa adesão à Carta de Princípios, nos unidos as demais entidades usuárias da mesma bebida dentro do respeito e do diálogo, com o propósito de cumprir as orientações emanadas do próprio CONFEN. Nos empenhamos no sentido de, como uma entidade signatária do documento, criar mecanismo de auto-regulação para o uso ritual do Santo Daime e examinar as questões que lhe são conexas à luz da legitimidade ética, cultural e do direito civil.

 

Face ao exposto no presente documento pleiteamos ao Sr. Relator que não seja acolhida a denúncia formulada pela Sra. Alicia Castillo. Acreditamos que os estudos e as recomendações dos grupos de trabalho do CONFEN que vem acompanhando nossa Doutrina merecem mais crédito que as denúncias.

 

Igualmente esperamos ver reconhecidos a nossa idoneidade e os esforços desenvolvidos para fazer frente às responsabilidades que nos são exigidas e solicitamos que V.Sa., a seu juízo, informe pessoas e instituições interessadas dos argumentos, provas e depoimentos que estão aqui apresentados.

 

Na véspera do dia de Reis, 5 de janeiro, iniciamos em todas as nossas Igrejas e Centros o hinário de encerramento de nossos ano de trabalho espiritual. Reunidos talvez possamos somar cerca de 2.500 pessoas entre adeptos, freqüentadores e visitantes. Somos milhares de cidadãos brasileiros, trabalhadores, pais e mães de família que buscam neste trabalho um momento de fé e caridade. O direito constitucional de expressar a crença religiosa de nossa própria eleição não pode ser prejudicado por denúncias emocionais e suspeitas infundadas que induzam a opinião pública a julgamentos preconceituosos ou a decisões que venham a prejudicar nossas vidas.

 

Contamos com o equilíbrio, a serenidade e a isenção que fizeram deste Conselho um órgão ouvido e respeitado em suas formulações. Temos a certeza que a mesma linha de coerência com que o tema tem sido tratado por este prestigioso órgão prevalecerá na consideração dos fatos e depoimentos ora em apreço.

 

E o que o CEFLURIS solicita neste requerimento e que eu, a pedido da sua Presidência e em nome da Diretoria Nacional, assino.

 

 

 

 

 

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Alex Polari de Alverga

Secretário Nacional do CEFLURIS

Rio Branco, 6 de janeiro de 1995

 

 

 

 

Vila Céu do Mapiá

Floresta Nacional Mapiá Inauini
 Município de Pauini-AM