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Só fazia assobiar, não era cantado não. Mas a Percília sabia tudinho, mas ela não ensinava pra ninguém. Mas, os nomes dos “chamados” eu posso dizer: tinha um chamado Manacá, tinha outro chamado Pakaconchinawa. Não estou lembrada do nome dos outros. Às vezes eu ficava assim cantando, a Percília dizia: “Olha, tá mexendo com quem tá quieto... porque, se você ficar cantando assim, ele vem mete o chicote... você adoece e não sabe porque.”


Inclusive, eu tinha uma sobrinha, uma sobrinha assim, porque ela era enteada do irmão do Chico Granjeiro, meu esposo. Ela aprendeu a cantar Maraximbé. Ela vivia brincando: “Vou chamar Maraximbé, pra ele vir tomar café. Todo dia ela vinha cantando isso, “Olha, tu toma cuidado”. Quando foi um dia, ela começou com uma dor de dente. Essa menina chorava noite e dia. Aí, eu disse pra ela: “Vá lá no Alto Santo pra padrinho Irineu rezar o dente, ele reza e passa.” Ela foi. Quando ela chegou lá, ele disse: “Vou lhe ensinar um remédio. Todo dia você chama Maraximbé pra tomar café.” Ela disse: “Quem é que foi dizer pra ele? Quem, tia?” “Está pensando que ele não ouve o que tu faz não?” Mexendo com as coisas divinas, ele tá vendo toda hora. Ela ficou toda desconfiada.


Eu nem sei que doença era. Assim tipo macumba que fizeram pra ele, mas não sei se existe macumba. Mas, pelo que o pessoal diz, era perseguição, ele era valente em casa, batendo nos meninos, era com a mamãe gritando. Não queria comer, não dormia. Ele mandava todo mundo ir embora, depois chamava todo mundo pra casa de volta. Ele saía, aí os amigos dele lá disseram que era bom viajar pra Santarém. O pessoal lá trabalha com essas coisas, ele tava vendendo tudo que tinha pra ir viajar. Aí encontrou Zé das Neves, que era muito amigo do padrinho Irineu. O pessoal falava que era a segunda pessoa dele. Ele tinha uma padaria e o papai ia sempre pra lá conversar com ele, comprar pão, comprar alguma coisa pra levar pra casa. Aí contou pra ele como ele tava, que ia viajar. Aí ele disse: “Seu Antônio, eu tenho um amigo que, se o senhor for lá conversar com ele, é capaz de lhe curar. Se o senhor viajar vai acabar com tudo que tem e a sua família fica aí. Se o senhor quiser ir lá eu lhe levo lá”. Aí, ele disse que queria. Aí, ele foi lá. Só em conversar com ele, ele já sentiu a melhora, já sentiu a calma e tudo. Aí marcou outro dia pra ele ir, pra ele faze o trabalho, uma quarta feira. Aí, ele foi. Eu não fui, e nem sei dizer como foi. Sei que ele tomou o daime. Quando ele chegou em casa tava bom, bonzinho. Ele não dormia. Fazia tempo que ele tava assim, eu não me lembro. Eu não sei quanto tempo passou. Passou o tempo, ele ficou bom. Aí, nunca mais ele deixou o Mestre Irineu e levou nós pra lá.


Já estava com um ano que a gente estava por lá, quando surgiu o maracá. Ele disse que recebeu ordem da Rainha que era pro pessoal bailar e bater o maracá. Teve uma noite que estava tudo lá, e ele chamou todos pra fazer um ensaio do bailado e do maracá. Só ele  que tinha maracá. Ele tinha mandado fazer um pra ele. Aí, as mulheres todas elas fumavam e tinha uma latinha aonde elas colocavam o tabaco dentro pra fazer o cigarrinho pra fumar ou cachimbo. Elas desocuparam a lata e botaram uns caroços de milho ou feijão dentro, ou coisa assim que fizesse zoada e ficavam balançando. Eu ainda me lembro disso. Ele ria tanto que o pessoal não acertava. Ele cantando, lá com a madrinha Raimunda, e o pessoal batendo a lata, e o pessoal errava.  Batia uns nos outros, uns iam pra frente outros iam pra trás, e ele ficava rindo e começava tudo de novo. Era para a Percília ensinar. Ele já tinha ensinado pra Percília. Ela então começou a ajudar a dar instrução para as outras. Era uma graça, ele ensinando com toda calma, com aquela alegria, sempre sorrindo, quando um errava, ele ficava rindo e mandava amolecer o corpo: “Tá com as pernas duras, tá tudo duro”. Todo mundo ria e ele chamava pra começar de novo. Foi indo até que todo mundo aprendeu.


A farda era diferente dessa de hoje. Era uma túnica azul-marinho e uma túnica branca. Depois ele mandou trocar, a túnica azul marinho com a calça branca e a calça azul com a túnica branca, com gola e com bolso na frente. As das mulheres tinham uma gola de marinheiro, tinha um lencinho e um cordão torçal com duas pernas, uma verde e outra amarela, colocada por debaixo da gola e trazia pro lado da cintura, tinha um cinto preto, passava o cinto e a ponta do torçal prendia do lado a saia, não era de prega a saia. Tinha um nome que chamava rabo de peixe, na barra rodeando. Se a farda fosse branca, botava três listras brancas. A manga era comprida e também acompanhava três listras, do mesmo jeito da barra da saia, igual á que tinha na manga. Agora eu não consigo me lembrar como era o pano da cintura. Acho que era cheio de preguinha, assim, bem miudinha, em uma pala pregada na saia pra fazer a cintura.
Eu me lembro de tudinho, a dona Raimunda era uma pessoa muito legal. Se quisesse fazer um trabalho, ele mandava ela, ela ia fazer por ele. Trabalho de cura pra pessoa doente, podia levar até lá na casa dele, mandava ela com a equipe junto pra ajudar e ela fazia o trabalho lá.


Eu era criança, quando eu ouvi eles conversando, que ela recebeu um hino. Ela colocou no Cruzeiro e ficou. O hino se chama: “Eu convido os meus irmãos”. Mas, ela recebeu assim, ele cantando pra ela, dizendo pra ela, ela não quis, ele colocou no Cruzeiro. Às vezes, se recebe hino na miração, mas ela recebeu o hino sonhando.


Os sonhos, às vezes, pra quem toma daime é um sonho verdadeiro, que nem é uma miração. O que a gente não viu mirando e tomando daime, às vezes vem no sonho. Tem coisa que se você for ver mirando não aguenta. E no sonho talvez é mais maneiro, ao menos eu penso assim. Ainda hoje eu tenho em minha lembrança. É mesmo que estar vendo ela cantando esse hino. Esse hino, toda vez que eu estou cantando, é mesmo que eu estar vendo ela, o jeito dela cantando, ela cantava tão bonito. Eu ainda não vi ninguém cantar igual como ela cantava, a voz dela era muito suave, bonita mesmo.


Meu pai trabalhava muito, marretando, comprando mercadorias pro mercado, ele comprava e levava pra vender no mercado. Dizem que ele tava assim com um saco de adubo muito pesado, aí ele sentiu o peito dele, dando uma torção. Antes disso, ele já tinha levado uma chifrada de um boi mocho sem chifre. Ele ia passando perto do boi que estava amarrado, mas a corda era muito comprida. Ele pensava que o boi não ia mexer com ele. Mas, quando ele passou pelo boi, ele só sentiu foi a pancada nas costas, aí ele caiu. A doença começou daí. Ele começou com dor no peito e nas costas, mas não tinha médico pra saber o que aconteceu. Aí ele só tomou remédio caseiro e daime mesmo. Ele passou sem trabalhar, sem poder trabalhar, e disso ele se foi.